Amor e boemia nos traços de Paulo Stocker
Nessa infinita odisséia de garimpar o peculiar do planeta liguei para o cartunista Paulo Stocker. “Oi Paulo, meu nome é Adolfo, do site Não Só o Gato”. Mal imaginava que esse papo de telefone seria o início de um grande mergulho em uma das mentes mais inventivas que já conheci. Minha ligação rendeu uns 30 minutos de um papo envolvente e uma entrevista marcada para uma noite que acabou sendo no apartamento do Paulo, em pleno baixo Augusta.
Um dia antes de encontrá-lo sentei na frente do meu laptop e de uma xícara de chá preto esfumaçante e, enquanto dava lentos goles na minha bebida, meu cursor deslizava no Stockadas, blog que expõe obras do Paulo desde 2006. Naquele momento ficou claro que Stocker é um boêmio, que gosta de belezas singelas e de uma boa dose de volúpia, além de saber brincar com os quadros de sua obra como poucos. Um exemplo disso é que no blog do cartunista britânico Karl Dixon, Diary of a Cartoonist and Writer, Karl fala sobre o Clóvis, personagem de Stocker, e enaltece a genial simplicidade e singularidade de seus traços e formas de usar seus quadros, o comparando com personagens como Snoopy, Calvin e Andy Capp, além de apontar o próprio Paulo como seu primeiro exemplo de uma série de cartunistas que são suas principais influências.
No dia da entrevista caminhei pela Rua Augusta, rumo ao ponto de encontro. Foi muito legal perceber como o personagem Clóvis está presente nas paredes da rua e, ao chegar, Paulo Stocker veio ao meu encontro. Um homem acelerado e gentil, que assim como seus personagens, consegue falar muitas coisas com poucas palavras. No começo do nosso papo ele explicou que começou a desenhar como todo desenhista, desde muito pequeno, porém completou, “desenhista é a criança que não para de desenhar”.
A sala da casa do Paulo, onde o entrevistei, é exatamente como eu imaginava: aconchegante, repleta de suas próprias artes. Enquanto algumas das obras expostas são estudos, a parede de trás do sofá ostentava dois quadros de sua série Gambiarra.”Esse trabalho acho que vem do meu pai que era caminhoneiro e trazia muita tranqueira pra casa, era botão, era livro, era tudo”, comentou o cartunista sobre as engenhocas provenientes de seus traços.
“Eu sou o cara que não usa o texto, mas não é que não sei escrever, como dizem as línguas ferinas. O meu humor sem texto é uma paixão que eu tenho pela pantomima. E aí eu fiz o curso de clown com a Silvia Leblon, que é onde eu descobri a origem do clown como algo xamânico”, disse o Paulo, que explicava o DNA de sua obra que tanto fala, mesmo sem frases, e colocou algo tão inusitado na figura do clown, o xamanismo, que posteriormente o fez usar um ótimo exemplo, o personagem do druida das aventuras do Asterix, o Panoramix.
O mais legal de ter conversado com o Paulo Stocker é que em nenhum momento ele respondeu o óbvio, seu repertório parecia não vir da lógica, mas do coração e sem dúvida alguma foi desse coração enorme que surgiu seu alterego, o Clóvis, que tem, assim como o Paulo, uma esposa e uma filha – personagens que ganharam os nomes de Dona e Augusta. Em um momento de reflexão sobre a sua obra mais querida, Paulo falou sobre o fato do Clóvis usar constantemente corações em suas tiras, “eu tenho medo de ser careta, com tantos corações, mas o amor não pode ser careta. Não pode ser aceitável que as pessoas estão consumindo tanto ódio, consumindo tanto rancor”.
Então, a cada pergunta que o meu entrevistado respondia, suas reflexões aprofundavam-se e nos momentos finais do papo, uma mística muito interessante pairou pelo ar. “Eu piro muito na arte orgânica, acredito muito na arte orgânica. Essa que traduz o homem que você é”, comentou, e aí, para finalizar, indaguei pro Paulo, “por que você desenha”? Stocker abaixou a cabeça, suspirou fundo, me olhou no olhos e disse: “Acho que eu desenho pra existir, como o homem das cavernas que matou um bicho muito grande, mas a filha dele é pequena demais, então ele tem que desenhar pra filha crescer e ver. Eu desenho sempre pra existir”. Sim Paulo, você faz da sua arte uma vida e da sua vida, uma arte. Continue desenhando, a vida e a arte agradecem.
Imagens do Facebook do Paulo Stocker
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