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“Lugar é Outro” tira a arte da zona de conforto

por Adolfo Caboclo, 13 de agosto de 2013
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A Vila Mariana é algo que nasce e renasce perante os meus olhos, cada vez com uma estrutura diferente e, assim como eu mesmo, ainda não consegui a decifrar por inteiro. Ainda pequenino, os arredores da Avenida Rodrigues Alves me lembravam o estardalhaço do motorzinho da minha dentista e o isopor doce dos remédios do meu homeopata. Com o tempo, o bairro virou as aventuras de uma graduação publicitária, um embreagar pelas calçadas da Rua Joaquim Távora. Recentemente, na Rua Pelotas, a Vila virou a minha yoga e o meu meditar, mas ontem a Mariana novamente foi reconfigurada dentro da minha caixola e toda essa configuração se aflorou por causa de um cartaz. Abaixo.

fotoMenina gorducha com babados de boneca, galopava em um cisne opaco que brincava com o tempo. 1934? Esse sérpia vinha do tempo ou do Instagram? E o Córrego do Sapateiro? Este o Google me ensinou que suas águas estão lá, na indecifrável Mariana. Um Q.R. code no canto inferior direito me deu uma dica, ao abrir apareceu a página d'”oNúcleo” e um projeto com o titulo de “O Lugar é Outro”.

Já com o olhar mais aguçado, saí pelas ruas. Ví caixas multi coloridas em um hostel, guardanapos com mensagens de afeto em uma padaria e quando reparei um muro com outro “procurado” em um século errado perguntei pro balconista do estabelecimento, “de onde vem esse cartaz?”

“De onde vem mesmo? É da escola aqui do lado da academia, um moço grande que eu não lembro o nome deixou aí”. Descobri que a “escola” é na verdade um centro de arte e design e que o “moço grande” é o Elias, um dos idealizadores do projeto que recebeu o “paraquedista” (eu, no caso) que lá chegou falando: “Aqui que é oNúcleo?”

MAPA-Antonio-O-lugar-é-outroO Elias então sentou de costas para uma parede com um mapa que demarcava uma área da Vila Mariana e começou a me contar do projeto “O Lugar é Outro”. Justamente nessa área demarcada no mapa, um quadrilátero formado pelas ruas Pelotas, Humberto I, França Pinto e Dr. Amâncio de Carvalho, que um grupo de 8 artistas – Ana Rey, Beth Barone, Angela Camata, Marinalva Rosa, Antonio Gama, Letícia Basso, Rita Heckert e William Pimentel – ficou encarregado de ativar intervenções artísticas em espaços comuns. “A proposta foi que os artistas que compõe o núcleo fizessem uma intervenção, com trabalhos deles, em locais não institucionais”, explicou.

“Como a gente faz sempre uma proposta pra ampliar a produção poética deles, a gente pensou em fazer um trabalho na malha urbana. Essa inserção é às vezes mais silenciosa e ela trabalha com a percepção das pessoas que visitam aquele lugar todos os dias. Muita gente não vai perceber nada, muita gente vai perceber”. Realmente, enquanto o Elias me falava isso, na hora me lembrei da cena em que estava numa padaria analisando minuciosamente uma composição com vários guardanapos com mensagens (que nessa altura eu já tinha descoberto que era o “Simples De” da Angela da Camata), e existia um grupo de clientes que também chegavam perto para verem do que se tratava e outro grupo de clientes que via aquela movimentação com um olhar de “o que você tá fazendo maluco?”, o que mostra como é interessante o laboratório de colocarmos um elemento típico de um lugar em outro, como o próprio Elias se referiu.

Obra de Angela Camata

Obra de Angela Camata

É um movimento de sair do conforto do artista, sair de um espaço onde as pessoas estão pré dispostas a absorverem a arte e migrar para a rotina urbana.

“A pessoa (o artista) trabalha bem no seu limite. Ela alarga possibilidades e isso vai refletir depois em seu trabalho. Essa é a proposta.”, introduziu o Elias enquanto me contava como foi a caminhada que foi feita neste sábado, dia 10/08, para os artistas realizarem suas intervenções. Em todas as obras é possível ver uma pegada de conexão com o bairro e com as pessoas, como por exemplo no “Simples De” da Angela da Mata e o “Procura-se”, que se trata de um passeio da Beth Barone pela memória do bairro. As caixas que vi no hostel são uma forma que o Antonio Gama encontrou de transferir a atmosfera de locais para seus objetos de arte. Outro bom exemplo que mostra isso é a obra do Willian Pimentel que através da distribuição de três tipos de folders diferentes pelas casas do bairro, instiga os vizinhos a se comunicarem para reunirem suas informações, afinal os três folders se completam. Também há muitas outras intervenções, igualmente interessantes, realizadas por outros artistas que injetaram tanta vida para a Vila Mariana.

“Foi um trabalho que a gente teve que primeiro fazer a demarcação do território, ir a campo buscar parceiros, até pensar no que colocar, então esse “o que colocar” foi discutido muito tempo também”, ponderou o Elias. Fato é que como receptor da ação também gastei tempo, mais muito tempo garimpando cada intervenção e mesmo assim absorvi uma porcentagem muito pequena de tudo que “O Lugar é Outro” está fazendo pelo bairro. Ainda bem que terei até o dia 14 de setembro para explorar mais e mais esse projeto. A verdade é que a Vila Mariana sempre foi um carrossel de experiências na minha vida. Ontem esse carrossel girou como arte e essa arte, por si só, será uma série de giros a cada nova exploração durante esses dias do projeto d’oNúcleo.

 

Obra "Do Mesmo", onde Letícia Basso expõe imagens em fachada de edificações, estimulando o obaservador através da simultaneidade

Obra “Do Mesmo”, onde Letícia Basso expõe imagens em fachadas de edificações, estimulando o obaservador através da simultaneidade

 

Obra de Beth Barone

Obra de Beth Barone

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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