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Columbia Road – Seguindo as flores

por Adolfo Caboclo, 17 de dezembro de 2012
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Durante a minha infância no “bairro carioca mais lindo do mundo”, o Humaitá, a senhora minha mãe, Dona Toninha, tinha o hábito de passar todos os dias pelas bancas de flores. Eu não entendia o que tinha de tão especial naquela sina diária e entre tantas coisas que minha mãe me ensinou na vida, ela também me ensinou a sentir o aroma das flores.

Adolfo Caboclo | Não Só o Gato
Curioso como as flores estão presentes em toda a nossa vida e tantas vezes não as consumimos como elas devem ser consumidas. Elas emolduram tantos beijos apaixonados, nossa choradeira na maternidade e o nosso corpo desencarnado, e delicadamente são sentenciadas a serem percebidas como eternas coadjuvantes.  São banalizadas na tatuagem da adolescente, na hipócrita recepção de quem não nos acolhe com o coração. Auxiliam a graça do humorista e o charme do vigarista.

Uma flor é o carinho do saudoso que o distante não consegue nem ver. É o suspiro verdadeiro do boêmio que a puta não consegue entender. É o palco que acham que é cenário.

É como conversar de madrugada aos pés de uma “dama da noite”, – não se faz isso pelo papo, nem pela noite, mas sim pelo aroma. É como ver um quadro do Von Gogh, – não pela técnica, nem pelo museu, mas por saber que até um cara que cortou as próprias orelhas se rendeu diante de um girassol. É como caminhar em um sábado de tarde na Columbia Road, a rua das flores aqui de Londres, – onde as pessoas não são cheias de vida por si só, elas sentem, de forma inconsciente, ou não, involuntária, ou não, a necessidade de dar um pouquinho de luz para tanta harmonia. Ontem, por exemplo, dia em que a cidade amanheceu um pouco menos fria, com raios de sol e céu azul, tenho certeza que foi porque o próprio inverno resolveu, mesmo que por alguns instantes, assim como eu, admirar a rua de flores mais tradicional da terra da rainha. Esse tal inverno que se acostumou com a Columbia Road cheia de cores e aromas desde 1886 e também ficou chateado com alguns momentos de desaparecimento, como por exemplo, na época da Segunda Grande Guerra.

Adolfo Caboclo | Não Só o Gato
Como chama atenção o fato de que pra chegar lá, peguei a linha de trem mais moderna da cidade, a alaranjada “London Overground”, que no fundo todos sabem que deveria se chamar “caminho das flores”, assim como a belíssima estação perto do mercado não deveria ser chamada de ”Hoxton”, mas algo parecido com “Flora”. E quando estava a poucos metros, mesmo sem saber exatamente onde era o tal mercado, bastava farejar essências e andar no caminho oposto de tanta gente que ia pra casa com as mãos abarrotadas de vasos e arranjos.

Adolfo Caboclo | Não Só o Gato
Columbia Road é aconchegante, uma rua européia de flores TEM que ser aconchegante, e no meio desse aconchego admirei a vida girando ao redor de rosas e camélias. Onde o ar é cheio de perfume e ondas sonoras de artistas de rua, espalhados pelos mais ou menos 30 metros de feira, sempre com voz e violão bem calminhos.

Pessoas levando arranjos e pinheiros de natal, de certa forma queriam pegar um pouquinho de tanta vida e levar consigo. Alguns até tomavam café nas tantas cafeterias ao redor, talvez para enganarem o olfato e depois de uma xícara amarga conseguirem sentir novamente o primeiro impacto da essência das margaridas. Mesmo com as atividades em Columbia estarem programadas para acabar às 14 horas, as pessoas pareciam não aceitar. Insistiam em perambular pelas flores durante o maior tempo possível, e assim foi, até às 16 horas. Quando as barracas se cansaram. Em menos de 30 minutos sem o mercado de flores, o tal inverno resolveu voltar para as atividades rotineiras. O dia escureceu antes das 17, a chuva caiu. Londres voltara a ser cinza.

Hoje, depois de ter passado um dia em Columbia Road, entendo: Dona Toninha não compra flores pra encher o lar de vida. Ela traz vida pra chamar a casa de lar.

Adolfo Caboclo | Não Só o Gato

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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