Casa de Dona Yayá – da loucura à cultura
Já vi a loucura ser o tema de alguns legados culturais da humanidade por algumas formas. Como a música dos Mutantes retratando uma balada do louco, a película do Scorsese mostrando a insanidade em uma ilha do medo e, ontem, vi um antigo hospício privado ser utilizado como um centro de preservação cultural pela Universidade de São Paulo. Curioso que, em todos os casos, a sanidade de seus personagens é discutível.
A Casa de Dona Yayá é um casarão antigo para os moldes do nosso jovem país – foi levantada no século XIX e nos anos 20 foi recebida como herança pela Dona Sebastiana de Melo Freitas, Yayá para os íntimos. Esta foi apontada pelos médicos como alguém que “sofria das faculdades mentais” e durante décadas a casa serviu como um hospício particular para sua dona, com espaços “mezzo funcionários, mezzo paciente”.
Uma das partes mais curiosas desse espaço é o solarium, um “braço” da casa construído nos anos 50. Era lá que Dona Yayá podia tomar seus banhos de sol, porém entre paredes revestidas e sobre um piso emborrachado. Uma condição de total isolamento do mundo exterior. Cerca de um século depois, mais precisamente ontem (29/4), rolou a inauguração da Belvedere, uma intervenção construída justamente nesta área de “apoio” para o tratamento psiquiátrico.
No folheto dessa intervenção eles usam a definição do Dicionário Houaiss da língua portuguesa para “belvedere”: “1. ARQ pequena construção isolada num jardim ou parque de onde se desfruta de um panorama; miradouro. 2. ARQ terraço elevado, pequeno mirante ou pavilhão do qual se avista um vasto panorama”. De fato, a intervenção é uma adaptação, um revestimento do solarium com tábuas de madeira, formando quase que uma “torre da Rapunzel”. As tábuas que revestem o lugar proporcionam escadas, a profundidade do solarium ganha a altura de um mirante onde se pode absorver todo o verde do quintal e o delicioso clima de uma tarde de sol no outono paulistano.
A ideia da intervenção criada pela artista Marina Vaz, com uma força de Mirella Marino e do arquiteto e cenógrafo José Silveira era justamente promover a discussão dos signos do espaço. O solarium onde Dona Yayá foi reprimida se tornou um belvedere. Apesar da casa estar no meio da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, sua atordoada proprietária foi tratada lá por ser uma chácara distante do “caos urbano” do século passado. Era um reduto de loucura cercado de paz e hoje fica em uma área engolida pela cidade e repleto de visitantes: pode ser considerado um reduto de sanidade cercado pela louca pauliceia.
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