Manifestação no Rio de Janeiro, 17/06
Olha, se você espera ler aqui sobre uma violenta e assustadora experiência de manifestação vivida nessa última segunda-feira pelos cariocas, pode ir parando, porque eu vou tentar narrar o que vi da maneira mais sincera, e eu não presenciei os momentos de tensão alardeados pela imprensa. Mas, ei, se você espera ler um texto que analise politicamente os prós e contras do surgimento de outras causas paralelas ao aumento da tarifa de ônibus ou da adesão em massa de todo tipo de gente ao movimento, bom… Pode parar por aqui também! Assim como a maioria das pessoas, eu ainda estou digerindo tudo de grandioso que está acontecendo agora no país, mas mantenho a visão positiva sobre um povo que resolveu ir às ruas.
Era palpável a energia desde o metrô. Manifestantes pareciam tentar se reconhecer e trocavam olhares meio furtivos, meio cúmplices durante o trajeto até a estação Uruguaiana, que dá acesso à Candelária, o ponto de concentração. Enquanto esperava na catraca por companhia, pude começar a entender o que ocorria metros acima da minha cabeça: o fluxo de pessoas desembarcando ali era dos mais intensos, gente vestida de branco, empunhando cartazes e já entoando palavras de ordem. Foi quando cheguei ao início da Rio Branco, do ladinho da Candelária, que entendi que a Avenida seria completamente tomada, “de cabo a rabo”, por gente.
Estive em várias manifestações na minha vida, mas pela primeira vez senti medo, depois da truculência policial sem limites que observamos nos dias anteriores, e eu não era a única. Todo mundo parecia carregar sua máscara, seu paninho ou lenço improvisado para se proteger de possíveis bombas de efeito moral ou do gás lacrimogêneo, era claro que havia apreensão no ar e também um certo orgulho, uma coisa meio “ei, eu sou corajoso pra caralho de ter vindo aqui hoje”. Quem esteve no protesto do Maracanã que acabou com manifestantes rendidos encurralados na Quinta da Boa Vista em uma nuvem de fumaça tóxica provavelmente estava se sentindo veterano de guerra!
O máximo que me aconteceu durante o protesto no trajeto principal foi cruzar com uma fileira de policiais sem identificação – o que é violência, sim, mas continuemos – e um princípio de corre corre, já na Cinelândia, que não deu em nada. Conversei com representantes femininas de um grupo de advogados que não quiseram se identificar (por segurança, imagino eu, já que rolava um papo de polícia recolhendo dados de manifestantes sob falsos pretextos), mas que me disseram que estavam ali para defender o Estado Democrático e o direito de ir e vir, e que havia outros advogados – todos voluntários – de “plantão” nas delegacias, disponíveis para defender manifestantes em caso de qualquer exercício abusivo, arbitrário do poder.
Uma vez andando de fato pela Rio Branco – aquele enorme corredor de prédios altos e cheios de escritórios –, os coros, músicas e gritos da multidão ecoaram nas janelas de vidro e bateram de volta bem nos meus ouvidos! Impressionante, certamente… Muitos disseram que havia 100 mil presentes, mas já vi gente compartilhando cálculos que contabilizam mais de 400 mil pessoas no local. Reparando em volta, vi tanta gente tão diferente que fiquei tentando anotar mentalmente os tipos. Lembro em particular de um morador de rua que acompanhou a caminhada até o final rindo de um jeito que eu não sabia se era aprovação ou o oposto, de um cara andando pela passeata enquanto degustava sua Eisenbahn e de uma mãe puxando seus dois filhos adolescentes pelo braço para o meio da muvuca.
A interação rua x prédio era das grandes. Muita gente foi às janelas acenar, jogar papel picado ou apagar e acender a luz em apoio ao ato. A resposta do povo era sempre uma só: “vem, vem, vem pra rua, vem, contra o aumento!”, assim como se repetiam “quem não pula quer aumento” e “ei, *insira aqui Cabral ou Paes*, vai tomar no cu” (falei). Não, a redução da tarifa de ônibus não saiu da pauta, foi relembrada diversas vezes ao longo do protesto. As outras causas pareceram coexistir pacificamente com os 0,20 centavos, muita gente contra a violência policial, outros pedindo mais educação e saúde e todo mundo, só de estar ali, exigindo seu direito de ir e vir, fazendo isso da melhor maneira por excelência: REtomando as ruas.
Obs: Esse é um relato inteiramente pessoal que acaba antes do grande confronto entre manifestantes e policiais em frente à Alerj, porque eu não segui com o grupo que foi conclamar por aqueles lados.
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