A Zona Cerealista de São Paulo
Ontem desci na estação da Luz, vi alguns homens engraxando seus sapatos enquanto me lembrava de histórias da minha avó sobre as suas paqueras. Já os vendedores de churrasco grego, na frente da estação, me lembraram histórias do meu avô. Minha mãe, que estava ao meu lado, disparava comentários sobre a sua infância que revelavam que não era apenas eu que estava saudoso naquele passeio. Logo atravessamos a passarela que cruza a Avenida Tiradentes e descemos na Rua das Noivas, local com inúmeros olhares ansiosos que cruzavam as vitrines – moças e mais moças suspirando com o matrimônio. Alguns metros depois a Rua Paula de Souza barganhava suas panelas, pratos e freezers e em seu final a Avenida do Estado suspirava um último ar de harmonia com a arquitetura do Mercado Municipal.
A imponência arquitetônica e a infinita gama de iguarias presentes no Mercadão me atraem já faz alguns anos, porém hoje sou vegetariano, e algumas atrações do local, como os sanduíches de mortadela e os pastéis de bacalhau já não me atraem mais e foi por isso que durante toda a caminhada relatada o meu objetivo sempre foi encontrar a Zona Cerealista de São Paulo.
Escutei sobre esse lugar através de uma amiga, chefe de cozinha e vegetariana também. Trata-se da região que fica atrás do mercado, começa na Rua Mercúrio e atravessa a Avenida do Estado. Com certeza é a região mais aromática que já conheci. Ela não é bonita, é quase que o “primo pobre” do Mercadão, mas sua simplicidade reflete nos preços, que como o próprio vendedor descrevia, “se abaixar mais, fica com dor nas costas” e em suas lojas, com vendedores que mergulham pequenos baldes em tonéis de infinitos grãos para porcionarem suas vendas.
Cada tonel ou saco possui uma forma, um cheiro, uma cor. Tudo fragmentado em milhões de pedacinhos cheios de energia da terra. Farinhas, pimentas, cereais, especiarias, tudo. Absolutamente todos os grãos. Gastei uma quantidade enorme de tempo cheirando o que eu encontrava, namorando os inúmeros vidros de pimenta e imaginando tapiocas diante do quilo de polvilho inferior a R$ 3,00. Quando reparava na minha mãe e companheira de passeio, sempre a flagrava hipnotizada com alguma macadâmia ou fruta seca exposta, e nesse ciclo sensitivo ficamos, por cerca de uma hora. Hora em que paramos em praticamente todas as lojas da Zona Cerealista.
Claro, não é um passeio muito fácil de relatar por aqui. Estamos falando de uma orgia olfativa, mas é muito bacana refletir sobre o número de “São Paulos”, tão diferentes uma da outra, que podemos viver.
Curioso que na noite de ontem fui visitar a minha vó (não a paqueradora, a outra) e ao comentar sobre a Zona Cerealista ela disse, “eu já morei lá, perto da Avenida no Estado”, cerca de 50 anos atrás e, pelo que ela contou, já era algo muito parecido com o que vi. Em outros blogs li que a “Zona Cerealista está para as comidas assim como a 23 de março está para as bijuterias”: Não, NÃO, nada disso. Estamos falando de um lugar que respira história, que tem um romantismo muito peculiar e que é cercado de alimentos desde o século XIX. Realmente não acho uma comparação feliz. Mas acho que compreendo o que a pessoa que escreveu isso quis transmitir: Essa região da cidade sempre irá lembrar algo, mesmo que não saibamos o que é, afinal de contas, lá trabalhamos com nossos sentidos.
Creio que outra coisa que proporciona um bem estar tão grande ao explorarmos nessa região é o fato da ausência de carne. Andar no mercado já é uma delícia, não tendo a “atmosfera do matadouro” é melhor (ou você nunca pensou que “a feira tá ótima, mas esse cheiro de peixe…”).
Devo admitir que no final do passeio é irresistível não passar no “primo rico”, o Mercado Municipal, comprar algumas frutas, queijos e azeitonas, com certeza são experiências complementares. Também é incrível como ao escrever esta matéria, em cada linha eu senti um cheiro, uma cor, e uma vontade ainda maior de desbravar a pauliceia por inteira, afinal de contas, como o nome do site já diz, não é só o gato que é curioso.
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