Galpão Busca Vida: uma noite de libertação
Vodka, Skol Beats, tequila, mulheres uniformizadas de sainha e salto, músicas que bombam na Jovem Pan e, por volta das 3 da matina, o som do funk carioca — em especial os sucessos dos anos 90. Foi esse o formato de noite que eu fui adestrado a curtir até os meus 21 anos de idade, quando eu morava na Cidade Maravilhosa. Não nego que essa fase foi fundamental para a minha formação boêmia, afinal de contas, em terras de Baco, toda “chutada de balde” é gol. Indo na direção contrária de tudo isso, lembro de um dia em que um amigo me convidou para uma festa na região portuária do Rio. No meio de uma série de bandas, que tocavam um tipo de rock bem estranho aos meus ouvidos, a Cia de Dança Deborah Colker parou o salão e começou a fazer uma performance em plena pista de dança. Nesse dia caiu a ficha de que é possível reunir um ambiente com bebida, música e azaração com outros tipos de cultura que até então eu não tinha visto em contato com a noitada. Que coisa linda.
Desde então, a minha busca por “noites de libertação” mais culturais pulsaram. Algumas das descobertas mais recentes até pipocaram pelos textos do Não Só o Gato, como esta incrível experiência em Londres. Duas semanas atrás eu conheci mais uma noitada cultural e bem legal. Ou melhor: “fodidamente” legal.
Estou falando do Galpão Busca Vida, um espaço idealizado pelo pessoal que trabalha na cachaça que tem o mesmo nome, e que, apesar de ser horrorosa para o meu paladar cachaceiro, faz sucesso pelas noites, pois é docinha e a galera bebe geladinha (eca). E assim como a Busca Vida fez uma releitura de um produto clássico — a cachaça —, através de seu galpão a marca também fez uma reconstrução de um ambiente típico que fica no meio do mato. Toda a estética do engenho, do restaurante de roça e do frequentador do campo, ganhou uma nova pegada no galpão. Eu diria até que o Galpão Busca Vida é um local que fez com que a cidade de Bragança, interior de São Paulo, onde está situado o espaço, tenha ganho uma notoriedade bem interessante no cenário alternativo.
Falo isso por alguns motivos. Pra começar, pelo público que lá frequenta. Na ocasião que fui prestigiar o galpão, estava usando um kilt (aquele saiote masculino) e cheguei achando que ia “chocar a sociedade” com o meu traje escocês. Mas, quando me dei conta, descobri que a minha roupa era algo comum por lá, pois estava no meio de pessoas vestidas de chapéus diferentes, roupas estampadas e até mesmo de homens usando jardineiras coloridas. E não eram só as pessoas que eram cheias de estilo. A decoração do lugar também é irada, com grafites e obras de arte por todos os cantos.
Enquanto a parte estética do local agradou meus olhos, meus outros sentidos também foram bajulados. Meu paladar degustou uma pizza absolutamente deliciosa, feita no forno à lenha, massa fininha, tomates frescos e com um preço bem honesto; meu olfato inalou todo um aroma de campo e cheiro de árvore que só encontramos depois de algum tempo entrando em estradas de terra; e meus ouvidos escutaram duas bandas que mereceriam até mesmo um post exclusivo para elas aqui no site. Quem sabe um dia?
A primeira, que abriu a noite, foi um trio de jovens meninas com maquiagem artística, som pesado e nome que me lembrou o estilo do desenho do Doug Funnie — As Framboesas Radioativas. Depois, tocou o pessoal do Cérebro Eletrônico, que fez um showzaço. É realmente incrível a energia desses caras no palco. Seu vocalista, Tatá Aeroplano, troca inúmeras vezes de roupa durante o show e demonstra uma presença de palco monstruosa! Em alguns instantes ele me lembrou o Ney Matogrosso na época em que cantava no Secos e Molhados, mas claro, seria precipitado qualquer tipo de comparação.
Tão legal quanto as bandas foi a curadoria musical do DJ, que colocou na pista músicas desde os Secos e Molhados até trilhas sonoras “tarantinescas”. A festa foi encerrada com uma tradição do Galpão, que toca o Hino Nacional quando está prestes a finalizar a noite.
Depois do Hino, hora de voltar pra casa. Um perigo. Precisava pegar estrada de terra, depois a rodovia, e todo mundo, claro, estava “turbinado” de Busca Vida (eca). Por fim, o meu desgosto pelo gosto melado da tal cachaça me obrigou a ficar naquela noite apenas na água, escolha que, no final das contas, foi vantajosa. Acabei sendo o motorista da rodada. O sóbrio que escutava o papo dos amigos bebuns. Mas isso não deixou de ser uma delícia para fechar a noite com chave de ouro, afinal, como diria Bandeira:
“Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”
Fotos por Adolfo Martins e Fernanda Miranda
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