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Natureza e tradição no carnaval da pluricultural Bolívia

por Estela Marcondes, 12 de março de 2014

Tá. Hoje faz uma semana que o carnaval acabou. Agora, assim como estamos acostumados a dizer aqui no país canarinho, o ano começou pra valer. Especialmente para você que só sente saudades desta festa pelos dias de folga que ela oferece, mas não é muito adepto da música alta, pouca roupa e samba no pé, vai o relato de um carnaval beeem diferente.

Diretamente da pluricultural terra de Evo Morales, da “Lei dos Direitos da Mãe Terra” (único país do mundo que tem uma lei que atribui à natureza os mesmos direitos dados aos seres humanos) e da famosa folha de coca, o NSG acompanhou um roteiro SEN-SA-CIO-NAL de carnaval na Bolívia — milhas e milhas distante do superlotado carnaval brasileiro. Não que lá não tenha uma festa famosa, pois o carnaval da cidade de Oruro é um dos mais famosos do mundo, mas não dava pra deixar de relatar o que há de mais curioso nas culturas aymara e quechua (isso mesmo, “quechua” não é só uma marca de artefatos e roupas de tracking, mas uma das principais etnias bolivianas).

O primeiro dia deste carnaval começou em La Paz, que, ao contrário do que muita gente pensa, é apenas a capital administrativa e não a capital constitucional da Bolívia (que é Sucre). De lá, uma viagem de dez horas num ônibus noturno nos levou à cidade de Uyuni. A partir de então, começou uma jornada de três dias em um jipe 4×4 (único modelo capaz de “aguentar o tranco” de uma rota sem nenhuma pavimentação e literalmente desértica, conforme nos contou nosso guia boliviano Orlando).

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Nosso primeiro destino foi o Salar de Uyuni, um planalto com aproximadamente onze mil km² de área que foi, há quarenta mil anos, parte de um grande lago que secou. Ele também é chamado de “espelho do céu”, porque é formado por um lençol de água saturada de sal com uma profundidade entre dois e vinte metros em que apenas a superfície contém uma crosta sólida que se estende até onde a vista pode alcançar. Demos sorte pela visita na época das chuvas, quando a água dissolve a crosta superficial e transforma a paisagem, de fato, num imenso e límpido espelho.

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Passamos a noite em um refúgio feito de sal. Claro! Tanto sal assim não poderia ser extraído apenas para a culinária (haja churrasco!), mas grande parte é destinada à peculiar arquitetura local. Não poderíamos deixar de dar uma lambidinha na parede para ter certeza e assim comprovamos o fato! Como vocês podem ver na imagem, paredes e piso são nada mais do que SAL!

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No segundo dia, partimos cedinho para as lagunas coloradas, grandes lagoas no meio da aridez do deserto que têm colorações diferentes devido à presença de algas e de minerais: branca, verde e a famosa lagoa vermelha. Nelas, inúmeros flamingos coloridos (alguns deles em extinção) apresentam calmamente seu balé nas águas muito geladas destes verdadeiros oásis. Paramos para almoçar ali mesmo, sentados atrás do jipe para nos proteger do vento frio. Ali, o Orlando (que não só era o guia, mas o motorista, cozinheiro e faz-tudo) preparou uma macarronada com carne de lhama e vegetais para saciar os esfomeados turistas. Fiquei com o macarrão e os vegetais, mas os que provaram a carne exótica que, segundo o Orlando, é “a mais nutritiva do mundo”, sem se importarem tanto com a veracidade da informação, disseram ser mais saborosa que a bovina. De toda forma, estes simpáticos animais pareciam ser os únicos habitantes da face da terra durante a maior parte da nossa jornada. Parecendo mais um cruzamento de ovelha com girafa, têm fofos brinquinhos colocados por seus donos para que identifiquem a qual proprietário pertencem e — além da carne — sua lã é amplamente utilizada para a tecelagem no país.

Dormimos em outro refúgio (desta vez feito de barro) e acordamos numa friaca de seis graus Celsius NEGATIVOS, em pleno verão. Como nosso “faz-tudo” Orlando nos contou, o tempo estava apenas “fresquinho”! No inverno, seriam pelo menos vinte graus abaixo de zero. Começamos o dia visitando os gêisers (com vapores que saem de fendas no chão, parecendo uma chaleira gigante, e alcançam uma altura de até seis metros) e o nascer do sol, numa altitude de cinco mil metros. Depois, alcançamos um recanto com águas termais naturais. Foi incrível a sensação contrastante de “nadar com lhamas” numa água quentinha, com a cabeça fora d’água respirando os seis graus abaixo de zero!

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Seguimos no jipe para o Deserto de Dalí, que tem este nome devido às formações rochosas e sua coloração. Obras de arte da natureza! Foi assim que após passar por inúmeras montanhas, vulcões (ativos e inativos), ficar pertinho da divisa com o Chile e depois da Argentina, ver gêisers, lhamas, flamingos e uma desértica estrada, chegamos ao único momento em que nos lembramos que era carnaval. Na comunidade San Cristóbal, as cholas (termo que já foi pejorativo no passado, mas hoje é oficialmente usado para denominar as mulheres de descendência indígena aymara, vestidas com suas longas saias, com uma espécie de “tecido-bolsa” nas costas e cabelo repartido ao meio em longas tranças) comemoravam alegremente o carnaval. Para esta cultura, a festa é muito sagrada e os ramos verdes que vocês podem ver na imagem significam esperança e boa sorte para as colheitas e para o resto do ano do povo de San Cristóbal.

Relato feito. Sem mais desculpas! Bora começar 2014!

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chola 2 chola 3 cholasfoto 4foto 2Fotos por Gustavo Furata

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Estela Marcondes

Estela Marcondes é Terapeuta Ocupacional, acompanhante terapêutica e encantada pelas "linguagens" do mundo, além da verbal. Algumas vezes pensa que a palavra foi inventada por alguém que estava com preguiça de usar os outros sentidos para dizer como se sentia. Adora LIBRAS, dança, trabalhos manuais, música, observar demonstrações explícitas de carinho e elefantes!

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