Fui ao Chile desbravar vulcões
Villarica e Quetrupillán: uma jornada pelos vulcões do sul do Chile.
Ligar a televisão no jornal para escutar as notícias do dia enquanto coloco a janta na panela e/ou dou aquela geral na casa é quase uma rotina das minhas noites. Mas, para ser sincera, se me pedirem um “resumo” de tudo o que escutei, não saberei entrar em detalhes, pois a cabeça sempre está mais na lentilha cozinhando, na marmita a ser preparada para o dia seguinte e no item da lista de compras que estava em falta no supermercado do que de fato na mensagem transmitida pelo jornal. Mas na última terça-feira foi diferente…
O cheiro de páprica na cozinha do meu apartamento começava a anunciar que a comida estava pronta, quando todos os meus outros sentidos – que não a audição – pareceram adormecer por alguns segundos. Meu coração acelerou, incrédulo, ao ouvir o repórter anunciar: “O vulcão Villarica, ao sul do Chile, entrou em erupção durante a madrugada, provocando a retirada emergencial de mais de três mil pessoas de áreas próximas”.
Corri para frente da TV para ver a imagem instigante e assustadora daquele gigante coberto de neve por fora, mas incandescente por dentro, “cuspindo” seu fogo em direção ao céu e fazendo o ser humano lembrar-se da importância de respeitar o poder, a força e a imprevisibilidade da natureza. Em minha mente ressoava apenas este “firme e afetuoso” chamado da mãe Terra, como se estivesse dizendo: “Ei, humanos! Vocês podem ter alcançado muito, mas jamais alcançarão o poder de me controlar. Vocês devem aceitar e respeitar este fato.” No mesmo momento, peguei uma folha de papel e um lápis e comecei a esboçar estas palavras. Alguns dias antes, eu havia começado a escrever a matéria, que já estava quase pronta, sobre as aventuras que experienciei em Pucón (cidade ao sul do Chile considerada o paraíso dos esportes radicais, local onde se situa o vulcão Villarica). Mas, depois desta notícia, sentia que pouco seria aproveitado do meu texto anterior… Havia muita emoção nova “borbulhando” para não ser escrita aqui no NSG.
O feriado de carnaval, emendado com dois dias de folga por banco de horas no trabalho, foi a deixa perfeita para um mochilão com destino à super charmosa “Pucón”. Um ano após nossa última viagem (quer dar uma espiada?, aqui!), e sem “grana” suficiente para viajar no Brasil (onde os preços são bem mais amargos), meu namorado e eu partimos, empolgados, para o “paraíso dos esportes radicais”. Esta pequena e simpática cidade atrai anualmente milhares de turistas que buscam, dentre outras aventuras, o principal atrativo local: a desafiadora subida ao vulcão ativo “Villarica”.
No inverno, a base do gigante torna-se uma grande pista de esqui. No verão, as condições são mais propícias para a jornada até o cume, que tem aproximadamente oito quilômetros e mais de 2.800 metros de altitude e torna-se mais longa com a caminhada em zigue-zague, devido à grande inclinação do vulcão. É possível ir de teleférico da base até o local onde se inicia a subida, mas depois disso restam duas opções: subir ou desistir.
Em média, os turistas levam de cinco a seis horas para chegar ao topo, mas a desistência é bastante frequente, pois a jornada requer caminhada na neve e adaptação ao ar rarefeito da altitude. Engana-se quem pensa que ao término da subida é possível descansar e recuperar o fôlego com calma antes de retornar. A vista exuberante de cima pode ser apreciada por não mais de trinta minutos, já que a fumarola expelida constantemente pelo Villarica é repleta de gases tóxicos. A descida é mais fácil e fica por conta do mais divertido estilo “Skibunda”! Em uma hora e meia, intercalando caminhada e skibunda, volta-se à base.
Como não poderia deixar de ser, a subida ao Villarica era a principal programação da nossa viagem. Por isso mesmo, ao chegarmos a Pucón, corremos à agência de turismo para combinar a jornada do dia seguinte. Para nossa surpresa e decepção, o vulcão estava fechado à visitação, sem previsão de reabertura. “Vocês não viram o sinal amarelo no centro da cidade?”, nos perguntou o guia turístico. A visitação estava permitida somente até sua base e apenas os cientistas estavam autorizados a chegar ao cume, para pesquisas nacionais da atividade vulcânica.
Os chilenos estavam tão inconformados quanto os turistas. A notícia não costuma ser espalhada pelos canais de notícia se o alerta de perigo vulcânico está apenas amarelo para não prejudicar o turismo local e não criar alarde, por este motivo não ficamos sabendo com antecedência. Acontece que, segundo os guias locais, o vulcão estava fechado desde 6 de fevereiro e não havia mais motivos para continuar assim, já que a sua atividade havia diminuído. Contudo, os mais prudentes nos diziam que fazia, sim, sentido toda essa preocupação do governo chileno, já que a última grande erupção havia sido em 1984 e o vulcão tem uma certa “periodicidade” natural, de forma que se a natureza fosse, de fato, previsível, esta nova erupção já teria acontecido alguns anos antes.
Bom, não teve jeito. Aceitamos humilde e respeitosamente a decisão da “Grande Mãe” e partimos para uma caminhada que raramente é realizada pelas agências de turismo chilenas por apresentar um percurso de quase três vezes a distância em quilômetros da escalada do Villarica: o “Quetrupillán”. Utilizando as palavras do nosso guia “es muy cansador”! Ele é um vulcão adormecido e sua cratera é berço de um maravilhoso lago glacial. O percurso é LITERALMENTE de tirar o fôlego, com paisagens incríveis, uma subida de 2.360 metros e 20 quilômetros de caminhada, em uma inclinação que faz com que se pareça 30, já que é necessário “ziguezaguear”. Daqueles que sobem, menos da metade continua até o fim.
Foi dessa forma que descobri a fama de “preguiçosos” que os brasileiros têm por lá. Desde o início da jornada, em um grupo com espanhóis, japoneses e chilenos, o guia que nos acompanhava e todos os outros chilenos contaram centenas de histórias (que eles juraram ser reais) de brasileiros que desistem pelos mais diversos motivos temporada após temporada: ao perceber que não há sombra durante o caminho, por falta de música durante a subida e outras desculpas. Quando finalmente chegamos ao cume e admirávamos o Villarica e sua fumarola negra bem à frente e os outros vulcões dos arredores, meu namorado e eu começamos a defender nossa nação, provando que os brasileiros são, sim, muito ativos. Neste momento, ouvimos um rapaz (que havia subido com uma agência de turismo diferente da nossa) falando português. Não deu outra: nos unimos a ele para mostrar aos chilenos todo nosso espírito canarinho-aventureiro. Nesse momento, o guia nos respondeu: “Cuando comenzamos la caminata, eran seis”. Era verdade… Dentre os sete brasileiros do grupo, apenas um persistiu até o fim, todos os outros retornaram! Não deixamos barato e já emendamos: “Estão vendo a tal fumarola do Villarica? São os seis brasileiros que desistiram assando churrasco!”. Todos caímos na gargalhada….
Tudo isso teria virado apenas piada se não fosse a notícia da última terça-feira. O gigante de fato entrou em erupção e não eram medidas exageradas aquelas que haviam sido tomadas. Há, ainda, o risco de avalanches após as erupções, que são tão alarmantes quanto os de fogo. Antes dessa notícia, apesar de termos ficado encantados com a subida ao Quetrupillán, a água na boca deixada pelo Villarica ainda fazia o peito apertar, com aquela vontade de “burlar” as regras e dar um jeitinho de chegar mais perto do gigante. Era justamente assim que terminaria o artigo que escrevi na semana passada… Agora, este novo final apenas aceita e louva as peripécias do destino, com um desejo ardente no coração que tudo fique bem naquela cidadezinha desafiadora que deixou saudades.
Fotografias de Gustavo Furuta
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