O Bar do Luiz que me perdoe, mas meu coração é Justo
A dicotomia botequeira que só quem é da ZN entende.
O título que mais comemorei em minha vida não foi o mundial do meu time ou da seleção. Foi o bicampeonato do meu boteco de coração.
O campeonato a que me refiro é o extinto Boteco Bohemia. Em que o Famoso Bar do Justo, pela segunda vez consecutiva, teve a pompa de ter “o melhor petisco de São Paulo”, com a tal Cestinha de Bacalhau. Abaixo, o vídeo do grande momento que registrei.
Nasci no bairro de Santana – ZN, mano – e, assim como boa parte das pessoas que iniciaram a vida etílica por lá, comecei a botecar dividido entre o Famoso Bar do Justo e o Bar do Luiz Fernandes.
Quando o Justo ganhou o seu primeiro Boteco Bohemia, o Bar do Luiz já era bicampeão (com o Bolinho de Bacalhau e o Bolinho de Carne, receitas da folclórica primeira dama do bar, Dona Idalina).
O Luiz fica em uma das melhores ruas do bairro, bem ao lado do colégio mais mainstream da região, já o Justo não. O Justo fica em um ponto comercial, equidistante entre os metrôs Santana e Carandiru.
Imagem do Bar do Luiz Fernandes – divulgação
O Luiz é frequentado pelos moradores dessa parte nobre da ZN. Além disso, passam por lá alguns “velhos fodas”, de bigodes e barrigas que exalam credibilidade. Por outro lado, também não faltam jovens que se acham descolados, com seus carrões e bonés. Além de muitas moças e pouco sal.
No Justo, também tem aqueles velhos fodas. De bigodes e barrigas que exalam credibilidade. Os jovens, por sua vez, se preocupam bem menos em serem descolados. Por lá, as moças já não são mais tão moças, mas exalam personalidade. Falam alto, bebem cachaça e com alguma sorte você pode presenciar uma delas rodando a baiana com o seu marido bebum ou coisa do tipo. Aliás, não faltam bebuns no Bar do Justo. Bebuns, jornalistas, barraqueiras e garçons gente boa.
Nessa dicotomia botequeira chamada zona norte, eu convivi com uma grande maioria de pessoas que, por motivos discutíveis, sempre preferiram o Bar do Luiz Fernandes e não foram poucos os que me perguntavam o motivo de eu tanto amar o Famoso Bar do Justo.
Minha resposta sempre retirei de um texto de 1969, do Pasquim, em que Chico Buarque explicava o motivo de ser Fluminense e não Flamengo. Lá o Chico alegou:
“Ser anti flamenguista é ostentar no meio da cara um diploma de ressentido. É detestar Mangueira, o carnaval e tudo o que cheire a popular e unânime. O neném desmamado, o menino asmático e o homem traído, esses terão sempre o direito de gritar contra o Flamengo. Por isso mesmo é muito fácil ser rubro-negro. Fácil de mais. É como ser a favor do sol no meio do deserto, ou comemorar o Dia da Árvore no coração da Amazônia. Mas torcer pelo Fluminense, modéstia à parte, requer outros talentos. Precisa saber dançar sem batucada. O tricolor chora e ri sem ninguém por perto”.
O Famoso Bar do Justo é o meu Fluminense que, mesmo nos momentos em que sou influenciado por uma massa maior, é lá onde eu jamais encontrei um atendimento impessoal. Onde, assim como no Luiz, a cerveja é gelada e os petiscos são de fazer chorar qualquer dono de bar da Vila Madalena. Mas, além dos petiscos, no Justo você encontra carinho. Não só do Valtinho, dono do bar, o “rei da boêmia”, ou de seus garçons – Adriano, Raimundinho, Josaias e tantos outros – mas também de inúmeros bebuns, jornalistas e barraqueiras, que entendem que a luz da boêmia se torna mais viva na parte mais escura da Avenida Voluntários da Pátria, próximo ao metrô.
Em Santana, ser anti Bar do Luiz seria ostentar o meu diploma de ressentido. Agora, amar o Bar do Justo requer outros talentos. Talentos que o boêmio iniciante, sinto informar, desconhece… e periga jamais conhecer.
Imagens do Famoso Bar do Justo – divulgação
Comentários