No último casarão da Paulista
Papos com o dono do Palacete Franco Mello.
O som daquele piano era divino e paradoxalmente demoníaco. O instrumento é de 1758, época em que os homens deveriam ter mais diabos no peito e mais tempo para a música: essas coisas que aconteciam antes de Deus inventar os ansiolíticos.
Piano tão raro de se ver nestas bandas entre os trópicos, idêntico aos que Chopin e Liszt usavam. Era isso que apontava meu anfitrião, Renato.
– E quem seria o demônio que tira o som desse instrumento com tanta maestria? – perguntei ao meu anfitrião.
– Esse é o Allan Grando, mas ontem também veio um outro pianista muito bom.
“Muito bom”, Allan Grando é um dos atuais queridinhos do cenário lírico. Jovem que exala tal juventude perante o instrumento que domina desde os 9 anos de idade. Premiado globo afora. Era um demônio diante do tal piano de 1758. Uma máquina de arrancar suspiros.
Então Renato me ofereceu um uísque. Recusei. Não por polidez, mas por já estar entorpecido pela atmosfera da casa em que estava. O tal “casarão da Paulista”, o Palacete Franco de Mello.
Quem diria? Lá estava eu, esparramado no sofá da sala de estar, ao lado de Renato Franco de Mello: o dono e morador dessa casa que é sim a mais incrível da cidade. Em plena Avenida Paulista, construída pelo avô em 1905, na época áurea do café. A casa da qual eu e outros milhões de transeuntes (passam cerca de 1 milhão de pessoas por dia na Paulista) já se perguntaram: “o que será esse lugar”?
Bem, esse lugar tem um histórico interessante. Também possui uma série de curiosidades que envolvem seu atual contexto – um casarão antigo em meio aos prédios modernos. Eu, em particular, prefiro descrevê-la como um lugar fantástico. É lá que Renato recebe seus distintos amigos tão providos de cultura e exerce sua vida de antiquário com seus móveis ornados de pé de cabochon, sua centenária mesa Biedermeier e tantas outras peças oriundas do mais puro carvalho.
Naquele ambiente, Renato torna-se figura fantástica. Dá risadas altas enquanto comenta sobre sua parede com afrescos feitos pelo próprio Oscar Pereira da Silva, se recorda do gás lacrimogênio que entrou por sua janela na manifestação do dia anterior. Parece viver seu próprio tempo, me deixa curioso para mergulhar de forma mais profunda pelos corredores de seu pequeno castelo.
Quando saí do palacete, lembrei-me que ainda estava na Paulista. Entre o Center 3 e o Conjunto Nacional. Mas era diferente: estava meditativo e um pouco entorpecido. Allan Grando parecia ter conseguido me moer. Essas magias demoníacas de antes de Deus inventar ansiolíticos. Que na Paulista, só se encontra na casa do Renato.
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