Um pugilista e suas metáforas
Não é sobre bater. Mas sobre não abaixar a guarda.
Tela desliza, pupilas farejam e, na página do Instagram do bairro do Paraíso, no meio de um emaranhado de imagens de cafeterias, me surpreendo com a beleza da foto de uma academia de MMA.
Na imagem, grades cercam uma arena, correntes sustentam sacos de pancada. Em vermelho, acessórios são ressaltados: luvas de boxe, caneleiras de muay thai e bandagens.
Em um desses acasos do destino, essa imagem pousou em meus olhos enquanto o livro “Paris é Uma Festa”, de Ernst Hemingway, repousava debaixo da minha mão esquerda. Nele o autor relata em detalhes sua relação com a “nobre arte”. Hemingway, em seus dias na França – entre a produção literária e a boêmia -, encontrava no boxe uma atividade física.
Fiquei instigado. Perambulei pelo bairro em busca da academia da foto. A encontrei em uma porta escondida, no final das escadarias de um prédio de três andares. Foi assim que eu – um homem que nunca tinha assistido uma luta profissional na vida e que tinha dado o último soco na 6ª série -, acabei me inscrevendo para ter aulas de boxe.
Confesso que tive um começo mais modesto que a média. Passei minhas primeiras aulas no canto, isolado da turma. Com pesos nas mãos, aprendendo a movimentar pernas e braços como um pugilista. Logo adquiri o hábito de, antes de dormir, assistir vídeos antigos de Sugar Ray Leonard, Oscar de la Hoya, Eder Jofre e, claro, Mohamed Ali. Este me enfeitiçou com sua frase sobre “flutuar como uma borboleta e ferroar como uma abelha”.
Nos primeiros murros, ao lado dos colegas, comecei a entender e a delícia de descarregar a ira em um saco – em vez de descarregar na sociedade. Estabanado, começava a dar socos, mas não sabia me defender.
Demorei um semestre inteiro para ter características básica de um pugilista: resistência – preparo físico para, pelo menos, poucos rounds -, aprender a manter distância e a me proteger.
E foi exatamente no momento que comecei a fazer, minimamente, essas três coisas, que um mundo de metáforas me assombrou.
Assim como na vida, no boxe você pode manter os olhos abertos e conseguir se esquivar ou defender. Ou então fechar os olhos – reflexo natural -, e com certeza absoluta levar uma porrada bem no meio da cara.
Dentro de um ringue, você está sozinho. Assim como seu adversário. Você pode ter medo ou colocar medo. Recuar ou reagir. Só depende de você.
Quanto mais se pratica o pugilismo, mais se entende o próprio corpo. Seu real tamanho. Nesse processo, desabrocham cada vez mais metáforas.
Comecei a ver ritmo em tudo. Movimentos de pernas como uma valsa. Entendi que o punch ball tem exatamente o mesmo som de um pandeiro de escola de samba.
(1,2,3, bate; 1,2,3,bate…).
Passei a compreender que, no ringue, quando você perde o compasso, quando você não impõe o seu volume de golpes em um ritmo próprio: momentos complicados chegam.
A atenção também melhora sensivelmente. É um esporte em que, quem não fica atento, acaba pagando um preço doloroso. Em tempos de crise, ameaça totalitária e ansiedade crônica causada pelo excesso de internet, o boxe me ensinou que mais importante do que bater, é não abaixar a guarda. Nunca. Jamais.
Recentemente, depois de um ano e meio treinando, meu professor me convidou para participar de um campeonato de pugilistas estreantes. Fiquei petrificado de medo. Aceitei, justamente porque não quero mais sentir medo.
A luta foi nesse mês. Subi confiante no ringue, mas lá na hora a pressão é gigante. É como entrar numa máquina de lavar roupas. Meu adversário, peso pesado, assim como eu, parecia ter muito mais peso nos braços do que eu poderia imaginar. Músculos de um touro.
Mesmo assim: fui até o fim.
Me defendi, bati e lutei até terminar o último round. Sem cair. Sofri uma derrota por pontos, mas fiquei feliz como se tivesse nocauteado.
Me lembro daquela música do Chico Buarque, a “Bela e a Fera”, que tem o verso que fala sobre ter “tórax de superman e coração de poeta”. Gosto da ideia. Mas é difícil alcançar. Enquanto tento, vamos ver quantas novas metáforas brotarão.
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