Descobrindo o Espaço Zebra
Ateliê e barzinho fantástico
A não obviedade sempre norteou minha admiração por São Paulo. Ao contrário de Paris ou do Rio de Janeiro, a capital paulista é uma cidade em que a grande maioria de seus habitantes a conhece e a explora muito pouco. Talvez, por isso, a ideia de lotear espaços públicos, transformar ambientes abertos em controlados e o não entendimento da cidade como um local vivo e mutável tenha ganhado tanto espaço na lógica de alguns paulistanos.
Fato é que entre o verde de Parelheiros e o da Cantareira, ruelas insistem em cantar e beber. Por mais que vendam São Paulo como um lugar exclusivo para o trabalho e o consumo, boêmios insistem em brindar, sambistas seguem batucando e tambores africanos, nipônicos e de inúmeras outras culturas seguem honrando os ancestrais de uma gente que por aqui se finca com algum axé.
Nesse constante exercício de exploração da pauliceia, uma amiga me indicou o Espaço Zebra.
Não foi a primeira vez que me sugeriram esse lugar. O Espaço sempre foi exaltado pelos meus colegas que frequentam o circuito independente da cidade, em especial a atmosfera eclética e cheia de informação que lampeja entre o baixo Augusta e o Bixiga, que cruza a Bela Vista e ferve na rua Major Diogo.
Foi nesse cenário que encontrei a indicação de uma amiga. Numa porta de ferro, entre incontáveis botequins. Na escuridão da noite na Major Diogo, uma luz branca atravessava a porta.
Penetrar nessa luz do Espaço Zebra é a invasão de um espaço fantástico: sua entrada é um ateliê. Um local criativo para artes e marcenaria onde quadros e telas amplas circundam móveis que fogem do senso comum.
Foi em um descer de escadas que as luzes foram se abaixando e o clima ficou mais intimista. O espaço que antes era voltado exclusivamente para artes, ganhou uma atmosfera de bar. Elementos artísticos, vintages, luminosos, DJ e telão com filmes heterodoxos.
Me deixei absorver pelas paredes, depois pelas pessoas e quando vi estava mergulhado no cardápio: repleto de releituras de pratos clássicos. A fome me fez ir direto ao caldinho de feijão e ao bolinho de carne.
Baco começou a sussurar no meu ouvido e uma sede profunda me dominou. Ao ler infinitos nomes de bebidas, uma me chamou atenção: “cataia”.
Instantaneamente minha mente voltou para a adolescência. Para a brisa gostosa da Ilha do Cardoso, onde fui passear com o colégio há muitos anos, durante o Ensino Médio. Cataia é o nome da cachaça tradicional do litoral norte paulista, com sabor de ervas, e também a bebida responsável pelo meu primeiro porre. Em um piscar de olhos retornei para a Major Diogo: pedi uma dose de cataia, uma IPA e meus colegas de mesa pediram seus drinques.
Daí em diante, minha mesa recebeu uma surpresa atrás das outras. Por meio da apresentação delicada em que vinham as comidas, das louças que as emolduravam e dos detalhes dos drinques. Todos nossos pedidos foram trazidos pelas mãos de Néli Pereira, jornalista da BBC Brasil que acompanho e que, por lá, descobri ser uma das proprietárias do local.
Depois, na hora de pagar a conta, troquei alguns bons instantes de prosa com Néli. Elogiei o local e essa tal “atmosfera eclética e cheia de informação que ferve na Major Diogo”. Fiquei com vontade de escrever sobre o Espaço Zebra. Com vontade de voltar para comprar um quadro no ateliê. Me imaginei fazendo tudo isso junto: escrevendo enquanto comprava um quadro em um momento alcoolizado de cataia. Quem sabe um dia.
Mas também fiquei com medo. Escrever sobre o Espaço Zebra, de certa forma, quebra um pouco do que ele tem de mais legal em sua experiência, que é a descoberta e a exploração do Espaço por si só. Essa não obviedade que sempre norteou minha admiração por São Paulo, sabe?
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