Conhecer o nariz de Porto Alegre foi definitivamente um dos momentos mais aguardados por mim em minha breve visita à capital gaúcha. Explico. Na noite de sábado de 6 de julho de 2013, o Mercado Público Central, ou simplesmente “Mercadão” da cidade, foi atingido por um incêndio. Naquela noite, uma multidão assistia de fora — parte dela em lágrimas — aquele lugar lindo e imenso sendo tomado por chamas. A tristeza não foi de menos. Com mais de 140 anos de história, o Mercadão já tinha sido palco de muita comilança, histórias, “turistagem” e boas lembranças de gaúchos e não-gaúchos.
Uma das pessoas que sofreu ao receber a notícia estava longe — pelo menos geograficamente — das labaredas do Mercadão. E por isso decidiu transformar toda sua angústia em palavras. Daí surgiu a coluna “
A noite em que o nariz de Porto Alegre queimou“, da jornalista e gaúcha Eliane Brum. No texto, ela explica sua relação afetiva com o local: “
o Mercado foi um dos meus mais assíduos entrevistados”. Sobre a definição “o nariz de Porto Alegre”, justifica: “Essa é a fantasia que o Mercado evoca em mim. Um nariz gigante, que aspira todos os cheiros da cidade, ao longo de quase século e meio, e a cada expiração nos preenche com uma mistura deliciosamente tóxica. Não só o perfume das especiarias, do café e da erva-mate, do peixe e das galinhas, das velas e do mocotó, mas também o perfume do medo e do suor e do feitiço e do despacho e do amor e do esperma do sexo apressado que por ali também se pratica”. Passado quase um ano da tragédia, a maior parte do Mercado resistiu ao fogo. Já no trecho danificado estão sendo feitas algumas restaurações.
Pois bem. Lá fui eu atrás do nariz de Porto Alegre, arrastando quem estava comigo e já fantasiando as delícias que iria degustar. Acho que até os viajantes que fogem de atrações turísticas não conseguem resistir aos mercados. A comida é, de fato, uma das melhores (e mais gostosas) maneiras de conhecer a cultura de uma cidade (e no Não Só o Gato deixamos claro o nosso amor por esses lugares, como já falamos aqui e aqui). Andando com passos apressados pelo centro em direção ao mercado — afinal, estávamos famintos –, fiquei pensando com meu jeito turista o que eu iria encontrar ali: será que vai ter uma loja de degustação de chimarrão? Uma casa de carnes com churrasquinho feito na hora? Vou ver alguém usando pilcha e lenço? E mais outras mesmices turísticas.
E chegando lá… nada era do jeito que eu fantasiava. O lugar é realmente maravilhoso, talvez o mercado mais bonito que eu já conheci no Brasil, e por isso mesmo bateu aquela tristeza de ver em alguns pontos os resquícios do incêndio. Mas não, nada de degustação de chimarrão, ninguém vestindo pilcha (pelo menos naquele dia) e nem churrasquinho feito na hora (idem). Porém, o que se vê por ali é realmente de botar o nariz pra trabalhar. Eliane estava certa.
Fui tomada por uma explosão de cheiros deliciosos, e é preciso dar umas belas cafungadas para reconhecer cada um deles. Conversando com a caixa de um restaurante vegetariano delicioso onde almocei, o Telúrico, a moça me explicou que aquela confusão de cheiros vinha de alguns bares que serviam os típicos pratos do mercado: tainha na telha, mocotó e feijoada. Após o almoço, me dirigi a outro estabelecimento famoso no local, o Café do Mercado. Também vi que ao invés de degustação de chimarrão (pode ser estranho pra um gaúcho, mas acho que é um negócio que daria certo pros turistas), o mercado tem lojas e mais lojas próprias para você comprar e preparar seu mate. Todos os tipos de ervas, bombas, cuias e garrafas térmicas são vendidos, uma diversão só.
Porto Alegre é definitivamente uma cidade que desperta todos os sentidos. O deslumbrante pôr do sol, o friozinho congelante, o chimarrão quente, os cheiros do Mercadão… que eles não me ouçam, mas dá pra entender (e muito) porque os gaúchos sentem tanto orgulho de sua terra e tradição.
Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato.
Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.
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