Pulqueria, lugar de deuses e plebeus na Cidade do México
Pensa rápido: uma bebida alcoólica mexicana feita de agave. A resposta mais óbvia que vem à cabeça é tequila. Mas uma visita à Cidade do México pode revelar um país que guarda muito mais surpresas do que qualquer cabeça imaginaria. E que de óbvio não tem nada.
Dentre muitos encantos visuais, sensoriais e gastronômicos que tive o prazer de vivenciar no México, o pulque foi uma das minhas descobertas preferidas. Bebida fermentada feita do agave (assim como sua prima destilada, a tequila), tem teor alcoólico parecido com o da cerveja, consistência que lembraria uma vitamina de quiabo e sabor altamente peculiar. Até porque, pelo que entendi, o pulque pode ter gosto de qualquer coisa que convier à criatividade do mexicano (e acredite, ela vai longe). Além do sabor natural, o pulque pode ser curado com frutas, verduras, nozes e até aveia. O processo de preparação leva meses para ser concluído e o resultado é esse curioso elixir asteca que no período pré-colombiano era bebida sagrada, restrita a sacerdotes em cerimônias religiosas.
Os sacerdotes astecas se foram, mas o pulque continuou firme e forte na cultura mexicana e, ironicamente, seu consumo transformou-se em um hábito das classes mais baixas. Lá pro século XVI começaram a surgir as primeiras pulquerias, pequenos bares onde se vende exclusivamente pulque e nos quais, a princípio, exclusivamente homens eram autorizados a entrar. Tanta exclusividade acabou transformando o pulque em algo cult e trendy, que está sendo redescoberto pelo pessoal mais descolado.
Pra minha sorte, tive uma dessas entusiastas do pulque como guia na minha viagem, que me levou a um tour nas pulquerias do centrão da Ciudad de México. Fomos a umas quatro diferentes, mas a Las Duelistas foi de longe a mais incrível. Com pinturas de motivos astecas em todas as paredes, o lugar me deu a nítida impressão de estar dentro de um quadro criado por um xamã durante um transe de cogumelo alucinógeno (e isso antes mesmo do primeiro pulque). Perdi a virgindade com um curado de morango, que custou 20 pesos o copo (cerca de 3,50 reais). No começo estranhei o sabor e principalmente a consistência, mas quando dei por mim já fazia uma lista mental de todos os curados que experimentaria naquela tarde, entre eles piña colada (sim!) e salsão (pois é).
Ah, sem esquecer de mencionar o fato de que era de tarde. Três, quatro da tarde de uma quinta-feira. E todas as pulquerias onde entramos estavam cheias, com os mais variados tipos de gente: estudantes moderninhos, pessoas mais velhas de roupas e modos bem simples, casais de namorados, gente acompanhada apenas de um livro… todos com cara e jeito de quem estavam perfeitamente à vontade naquele ambiente tão democrático, onde a minha cara e meu jeito eram os únicos de turista.
E quando eu saboreava meu pulque de piña colada crendo piamente ter feito a maior descoberta exótica do dia, entrou no recinto um vendedor ambulante com uma maquininha na mão oferecendo de mesa em mesa seu serviço: choque. Choque elétrico. Choque. Perguntei pra minha amiga: “como assim choque?”. Ela disse que assim, choque. Você escolhe a voltagem, ele regula a intensidade, todos na mesa dão as mãos, quem está na ponta segura a maquininha e todo mundo desfruta de um choque conjunto. Choque. “Mas por que alguém pagaria pra levar choque?”, perguntei. “Porque é divertido, ué.”, respondeu minha amiga mexicana depois de um gole no seu pulque de aveia, com uma expressão tranquila de quem dava a resposta mas óbvia do mundo.
Ah, o México… esse lugar fascinante que, acredite em mim, de óbvio não tem nada.
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