O Renascimento do Parto
Andréa estava no hospital, dando luz a seu primeiro bebê, quando perguntou para sua médica: “Tá tudo bem com ele?” Ela conta que pediu à médica que, quando nascesse, gostaria que o filho fosse para os braços dela, porém seu pedido não foi atendido. “Ela foi tão insensível, num momento tão importante pra mim. Não respeitou aquilo, porque pra ela é mais um que está nascendo”. Márcio, marido de Andréa, também comentou: “Eu lembro que quando o Pedro nasceu, a mulher foi dar banho e pegou ele igual um frango pela perna. Eu falei, “pera, pera!”, e ela “calma, eu faço isso todo dia”. Eu respondi “mas ele nunca fez. Não interessa se você faz isso 20 vezes por dia, meu filho acabou de nascer, e ele é único”. Andréa, depois dessa experiência com o parto cesariano, teve mais dois filhos, Nina e Felipe. Os dois nasceram de parto normal, e sobre o último, ela diz: “Foi uma experiência muito bacana. Faria tudo de novo. Me dá até vontade de ter outro filho”. Essa história contada pela nutricionista Andréa Santa Rosa, esposa do ator Márcio Garcia, está no documentário “O Renascimento do Parto” – um filme que faz a gente sair do cinema com uma percepção muito mais ampla e mais humana da vida.
O filme retrata a realidade de um mundo em que há cada vez mais partos cesarianos ou partos com intervenções traumáticas e desnecessárias, em contraponto com o que é recomendado hoje pela ciência. Mães, pais, médicos, obstetras, parteiras, psicólogas e doulas, através de seus saberes e de suas experiências, questionam o modelo obstétrico atual adotado no mundo, e principalmente, no Brasil.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a recomendação de cesariana é de no máximo 15%. A Holanda, por exemplo, é um país que obedece o aviso. Já no Brasil o número ultrapassa 50% de cesárias e, segundo o ótimo texto “Parto com Prazer”, da Eliane Brum (que pode ser lido aqui), o índice sobe ainda mais nas maternidades privadas do país, chegando a ser mais de 80% de cesarianas. Agora, se há essa recomendação, deveríamos nos questionar: Por que continuamos a fazer o parto cesariano? Sabemos – e é importante sublinhar – que esse tipo de parto é importante e necessário em alguns casos. Mas o que deveria ser uma exceção, é geralmente uma escolha feita pela própria mãe e/ou pelo médico, muitas vezes decidida pela comodidade de ambos. Mas não só. No dia da pré-estréia do filme, após a exibição da sessão, houve um debate com o diretor, Eduardo Chauvet, a produtora e roteirista Érica de Paula, Ana Paula Caldas, pediatra e neonatologista e Carla Andreucci Polido, ginecologista e obstetra. Um médico obstetra que estava sentado na platéia, nos confidenciou: “Eu faço partos há mais de 30 anos, e o que acontece, muitas vezes, é a cliente que não quer fazer um parto normal por achar que parto normal é coisa de pobre. Aí ela opta pela cesária, marca o parto para sexta-feira, a família vem visitar no sábado, e domingo volta pra casa. É muito mais chique”. A nossa sociedade está encarando o parto como um fato cirúrgico, e não mais fisiológico. E se não for cirúrgico, não é “chique”. E alguns médicos, é claro, estão fomentando a idéia desse tipo de parto, por ser muito mais conveniente. Afinal, é muito mais fácil para um médico agendar um nascimento “para tal dia, em tal hora” do que trabalhar em um parto normal, onde em muitos casos é exigido mais de 12 horas de trabalho, e que, principalmente, é o parto em que o bebê tem o poder de decidir quando ele estará preparado para escorregar para o mundo – e não o “doutor” médico.
O filme mostra que, por trás de todo esse cenário, e com uma tremenda má intenção, foram criados falsos mitos sobre o parto normal, como: “Seu bebê está muito grande, vai ter que fazer cesária!”, “Seu bebê está muito pequeno!”, “Você está velha!”, “Você é muito nova!”, “Você é gorda!”, “Você é muito magra!”, ou seja, a gente passa a acreditar que nosso corpo é defeituoso e que uma intervenção sempre será necessária. Isso sem contar aquela famosa frase: “Você vai fazer parto normal? Que mulher corajosa!” Então, a partir desses mitos, a lógica se inverte, e o que passa a ser visto como o normal, paradoxalmente, é a cesariana. Flávia Menezes, por exemplo, uma pequena grande mãe, conta que os médicos tentaram convencê-la a fazer cesariana por seu corpo ser muito pequeno e magro. Mas, convicta de suas escolhas, fez parto normal mesmo assim. “E a natureza é tão perfeita que me deu um bebê pequeno, assim como eu sou”, disse.
Sentar na poltrona e assistir os 90 minutos de filme é uma ótima oportunidade para podermos refletir e enxergar como a nossa sociedade, e principalmente a mulher, deixou de ser protagonista de um dos momentos mais belos e inesquecíveis da vida. Eu, que ainda não sou mãe, vi que aquelas mulheres se sentiam leoas, capazes e fortes, por terem recuperado um momento da vida que nunca deveria deixado de ser delas. “O parto natural é uma grande poesia”, disse uma dessas mães. Então por que excluir a poesia da vida? Para substituí-la por intervenções desnecessárias, por medicamentos como a ocitocina (usado para aumentar a frequência e a força das contrações), por cortes? Como disse a psicóloga Laura Uplinger: “O nascimento clássico hospitalar é de uma violência. Com frio, barulho, luz. A primeira transição forte de vida já vem com um marco da violência”.
E é por isso que “O Renascimento do Parto” é de uma importância magistral. Porque ele nos faz pensar sobre um poder natural das mulheres que está cada vez mais mais sendo excluído e banalizado do nosso cotidiano – e aí que está a gravidade. E é também por isso que concordo com o médico obstetra Michel Odent, quando diz: “Não consigo imaginar uma pergunta mais importante que essa: “Qual o futuro de uma humanidade nascida por cesarianas ou por ocitocina sintética?”. Você saberia me dizer?
Fotos: Divulgação
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