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Série Sincretismo – Parte 1: Umbanda

por Luiz Pecora, 11 de agosto de 2014
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Falar de religião pode ser muito espinhoso e não levanta os melhores ânimos dependendo de como cada um encara sua própria fé. Ainda assim, as diferentes formas de manifestação da espiritualidade sempre me despertaram curiosidade, e nunca perco a oportunidade de entrar numa longa viagem sobre de onde vem, o que significa, e qual o sentido desse lado humano que todos temos que responder. Ninguém ainda foi capaz de traduzir de uma forma unânime porque diabos (com o perdão do trocadilho) os humanos sentem esse impulso de se conectar com um plano maior. Cada um tem sua busca individual na espiritualidade, seu próprio caminho e motivo íntimo que o levou a ser ou deixar de ser um fiel. Foi dessa curiosidade pelos diferentes caminhos da busca espiritual que surgiu a ideia dessa série: conversar com pessoas de diferentes credos para me falarem da sua própria experiência.

Já que estamos tratando da diversidade de manifestações religiosas, nada faz mais sentido que começar a série falando da Umbanda, religião brasileiríssima que encarna todo o sincretismo que a nossa cultura tem. Muito pouco compreendida, infelizmente a Umbanda ainda é associada e estigmatizada como magia negra por religiosos mais conservadores. Nada mais errado. Como qualquer outra e a seu modo, a Umbanda tem como princípio a ajuda mútua e estimula um sentimento de comunhão.

Fui conversar com Antônio Nicodemo, o Teco, que me contou mais de como se envolveu com a Umbanda. O Teco é dramaturgo e um dos diretores no teatro da Neura. Tem 27 anos, escreve desde os 17, é aspirante a booker, é aquariano e quer ter uma filha chamada Teresa. Depois de jantar um yakissoba, sentamos para trocar uma ideia junto com o Rômulo e o Victor Lucredi, que, além de nos preparar a comida, gentilmente nos cedeu as fotos que ilustraram essa matéria.

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Não Só o Gato: Comece contando um pouco da Umbanda e como ela passou a fazer parte da sua vida.

Teco:  Eu sempre tive muito interesse de estar próximo, desde pequeno mesmo. Eu fui criado na Igreja Católica, fiz catequese, mas eu era daqueles palhações que sempre tinham uma pergunta pesada. Sempre fui crítico. Um dia passei por uma casa de artigos religiosos em Poá, da comadre da minha avó, e pedi algumas indicações pra ela. Foi assim que decidi que ia começar a ir. Você precisa estar à vontade na casa de umbanda, e eu cheguei a frequentar outra mas não me sentia em paz, fiquei muito mais como plateia. Aí eu peguei esse outro endereço e fui. Fiquei um ano e pouco só na assistência, toda vez que ia sentia uma energia cada vez mais forte, e chegou uma hora que foi como se a casa mesmo falasse que eu tinha uma missão.

NSG: Como assim a casa? O prédio mesmo, é isso?

Teco: Isso. E os médiuns chegaram também uma hora a verbalizar: você precisa desenvolver porque você é médium. E isso é uma coisa que eles sempre disseram, e eu sempre digo pro Vi quando ele vai: que você precisa se desenvolver, você precisa se encontrar espiritualmente. E não tem necessidade de ser nessa casa, só procure esse caminho. E dentro da religião que eu fui criado, assim como a família também, dentro de toda essa questão da moral e dos costumes, eu nunca confiei nesse Deus que vem e te culpa. E eu demorei um ano e pouco para me sentir à vontade e me desenvolver, não por medo de abandonar o cristianismo, mas porque foi muito estranho perceber que eu tinha essa sensibilidade. Porque é foda, né? Você entra em um lugar e percebe que algo está acontecendo com seu corpo, que há uma comunhão, é uma energia. Não é aquela coisa estereotipada.

NSG: E como você enxerga Deus, ou o que é Deus pra você?

Teco: Para mim, Deus são todos os detalhes que a gente passa no dia, que passam como só mais um dia do nosso cotidiano e pronto. Somos nós. Deus é você, o Victor, minha avó… Tem momentos da minha vida muito fortes que eu vejo Deus. Quando minha priminha mais nova começou a andar, na morte de pessoas mais próximas…

NSG: Explica isso melhor.

Teco: Me pertence. Não na situação de posse, mas de convivência, de aproximação. Nossa relação tem Deus, isso que a gente está fazendo agora tem Deus. É cotidiano, entendeu? Quando eu vou na casa, é um momento que eu estou tirando da minha semana para agradecer e para ajudar o outro. Só que eu não posso fazer isso só no sábado durante as três horas, é importante eu sair do centro e levar isso para o meu dia a dia, para o meu trabalho, para as pessoas próximas, para o tio da padoca… É muito sensorial, tudo. Deus não é um gigante dourado imenso que eu estou ajoelhado ao lado dele. Ele é gigante em piedade, em conhecimento, em generosidade. Então é isso que eu quero aprender, é isso que eu quero ser. Por isso que eu não sou egocêntrico quando eu falo que somos todos um pouco Deus. Mas todo mundo é.  Está em tudo. Em absolutamente tudo.

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O papo foi longe. Passamos algumas horas trocando uma ideia sobre como algumas pessoas têm uma percepção extra-sensorial, sobre coincidências que são mais que coincidências, sobre o sentimento de universalidade e de pertencimento. Confesso que quando sentei para a conversa não estava num humor bom para o papo transcendental, mas voltei para casa contaminado por esse sentimento que traz a ideia de tudo que nos une.

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 Fotos por Victor Lucredi

Luiz Pecora

Luiz Henrique é bacharel em Direito e desenhista amador. Conhecer pessoas, viajar e ler são suas coisas favoritas no mundo — melhor se estiverem juntas. Gosta de arte, música, biologia, geografia, história, religião, política, filosofia, astronomia, e não suporta azeitonas. Vai mostrando como é e vai sendo como pode, jogando seu corpo no mundo.

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