Um pouco do passado colonial paulistano: reabertura da Igreja da Ordem Terceira de Francisco
Igrejas são construções que sempre me despertam curiosidade, não sei exatamente por que. O ambiente devocional, a mística de uma transcendência no tempo, o lado histórico-arquitetônico, vários motivos me atraem à penumbra atrás dos portões do templo. Não falo aqui de turismo religioso, que não deixa de ser interessante, mas daquela antiga e despretensiosa igrejinha esquecida nas esquinas e largos das nossas cidades católicas. Estão ali, em todo canto, desbotadas, abertas a quem queira entrar, mas escondidas no meio de todas as outras construções mais laborais em volta. Permitir-se uns minutos ali dentro é sempre um contraste com a rua: arte sacra (provavelmente barroca), fiéis admiravelmente imersos em orações, a luz calorosa das velas, talvez um humilde órgão como fundo musical.
Mas tem uma igreja em São Paulo que sempre me intrigou. É a Igreja da Ordem Terceira de Francisco, localizada bem ao lado da Igreja de São Francisco, no Largo de São Francisco (bem lógico). Toda vez que passava em frente me perguntava que raios faz uma igreja colada em outra igreja, e o fato de estar fechada (como estava em péssimas condições, passou os últimos sete anos em restauração) só me instigava mais. Foi nessas coincidências da vida que surgiu a oportunidade. Um belo dia, descubro que conheço uma arquiteta que trabalhava na obra de restauro. A uma semana da reabertura, fui conferir o que afinal se escondia lá dentro.
Se já gostava de conhecer uma igreja antiga e carcomida, entrar no meio de um processo de restauro é uma experiência ainda mais divertida. Algumas estátuas restauradas, outras ainda apagadas, o movimento dos trabalhadores a todo vapor. Todo um ambiente diferente, mostrando ao mesmo tempo o instrumental dos homens e o sagrado que o lugar simboliza. Será que é essa a sensação de inaugurar uma igreja barroca?
A Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco é, originalmente, uma capela inaugurada em 1736 para sediar a Ordem Terceira na então vila de São Paulo do Piratininga, no mesmo espaço que o convento (posteriormente convertido na Faculdade de Direito do Largo) e igreja construídos um século antes pelos frades franciscanos. Posteriormente foi ampliada, ganhando os contornos que tem hoje. Mas não parou por aí. Ao longo dos anos, passou por uma série de reformas e restauros, cujas etapas foram mantidas visíveis na sala de técnicas construtivas – taipa de pilão, pedra, concreto, metal, tijolo, tudo se sobrepõe para mostrar que uma construção antiga não é, necessariamente, estanque.
O bom de conferir o espaço com uma arquiteta que trabalha na obra é saber de detalhes que passariam despercebidos. Os barrados artísticos da nave e transepto, por exemplo, foram restaurados respeitando a pintura original que imita diferentes tipos de mármore (se não tivesse sido avisado, sairia andando como se fossem mármore, mas o tato comprova: é madeira). Ou ainda, alguns batentes do segundo andar foram reutilizados após uma reforma no mosteiro de São Bento (Onde? No Largo de São Bento), mas pela metade porque eram muito altos; outros batentes tiveram que reproduzir a gambiarra e foram feitos igualmente pela metade.
Segredos arquitetônicos à parte, vale muito a pena conhecer a Igreja. O restauro deu um novo brilho, e podemos admirar o templo como se fosse recém-construído. Uma rara vitória para a conservação do patrimônio arquitetônico de São Paulo. Fico sabendo que a Ordem Terceira tem planos de montar um circuito de arte sacra por ali. Eles têm um acervo invejável, com peças raras e bastante valiosas. Mas isso fica por esperar, ainda falta captar recursos para a execução do projeto. Enquanto isso a gente pode se contentar com a reabertura do espaço e apreciar uma construção colonial novinha em folha.
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