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Chocando a sociedade com uma pochete

Como escandalizar a sociedade contemporânea com estilo.

por Adolfo Caboclo, 8 de abril de 2015

Eu realmente acredito que toda podridão do homem é entranhada ao visual. Certa vez escutei de um guru indiano que o homem nasceu para ser uma criatura bondosa e um indício disso é que os nossos olhos sempre perseguem o belo. As pessoas sempre entram em êxtase ao focarem belas praias, cachoeiras e as pétalas de um girassol amarelo. O que é um fato. Porém, o tempero da vida não é tão açucarado assim. O foco dos olhos não é mensurado exclusivamente pelo belo.

Os nossos olhos também procuram o sangue. Veem beleza no filme do Tarantino e no café da manhã de domingo tão cheio de ressaca. Toda a beleza da bonequinha de luxo Holly Golightly está em seu fucking instinto autodestrutivo – que defuma seus pulmões através de sua longa piteira e lhe concede um coração oco e desapegado, que faz com que o som de Moon River não passe de um desgraçado canto de uma sereia.

Em qualquer aula de neurociência básica é possível ver como nossa lógica cerebral tem como um de seus pilares a atenção. Autismo, lesões no córtex e inúmeros outros problemas neurológicos fazem com que a lógica das ligações sinápticas mudem: descobrir qual é o foco, o que chama a atenção dessas pessoas de “mente arranhada” é uma boa ponte para interagir com elas de forma mais efetiva.

Minha amiga e companheira de NSG, a Marina – moça bem antenada no mundo da moda -, sempre me disse que a moda é a primeira mensagem que você pode transmitir para alguém. Algo como uma síntese de tudo que o indivíduo quer contar em um primeiro momento, a estética visual se torna mais um chamariz da atenção alheia. Talvez venha daí a minha admiração por velhos. Velhos usam suspensórios, chapéus – as senhoras usam cabelos curtos… vejam só, velhinhas não precisam esconder seus rostos com madeixas. Talvez seja por isso que estranhamos tanto ao ver uma senhora de cabelos cumpridos: como que alguém que já viveu tanta coisa na vida teria algo para esconder atrás de uma cabeleira prateada? Velhos se expressam de uma forma quase que divina, mesmo quando não abrem a boca.

Tudo que vemos nos influencia, nos altera, nos acaricia e agride. Mas é um fato, comprovado em inúmeras instituições acadêmicas de renome e tema de inúmeras teses que, se existe um item que foi endemoniado na indumentária contemporânea, este item é a pochete.

Inclusive se a pessoa que estiver ostentando uma pochete pelas ruas e avenidas paulistanas em 2015 for um velho, um senhor de 80 anos. Mesmo assim, esses anos de sabedoria não o poupariam de chacotas e olhares escrotinhos.

A pochete se tornou o maior símbolo de contra-cultura existente, chocando tudo e todos! Alternativos a acham coxinha demais, coxinhas a acham démodé, profissionais de moda a acham distante do mainstream, mas longe de ser alternativo. Assim, a pochete se encontra em um profundo buraco negro de tendências. Vejam bem: um tio, em pleno jantar de família, na hora da sobremesa, tem coragem de repetir a “piada” do “é pavê ou pra comer”, mas não possui a coragem necessária pra usar uma pochete.

Como usar pochete nunca foi pra homem fraco, resolvi fazer uma pesquisa sócio-cultural passando uma semana trajando o item mais contrariado da atualidade. Nesse estudo, frequentei dois ambientes diferentes da minha vida: um meio acadêmico e o meu meio social.

E assim, cheguei na minha pós-graduação de pochete. Não sei quando decidi que passaria uma vida fazendo um curso superior para o mercado de trabalho e outro para a minha satisfação pessoal. Enfim, só sei que depois de fazer uma pós-graduação administradora, para delírio da firma, resolvi estudar neurociência e psicologia aplicada, para massagear meus genes geeks.

Eu sou publicitário, um cara de humanas que se aventura em biológicas, moral da história: o meu maior choque não foi com a matéria em si (o que é um sistema nervoso central se comparado ao livro do Kotler?), mas com a diferença de postura das pessoas. Já estava no meu terceiro mês de curso e ainda não tinha escutado a voz de nenhum dos meus “coleguinhas” de sala. “Tinha”. Semana passada entrei na sala de aula “pochetado” e o altão que senta na terceira fileira falou, “nossa, uma pochete”. TOMA! Agredi aquele silencioso micro-cosmos como ele jamais fora agredido.

E o professor? Sempre tão cheio de si! Jamais gaguejara durante o curso, até que seu olhar passou pela minha pochete: foram dois segundos de silêncio bem no meio de sua fala. Uma eternidade para sua aula tão bem formatada. Era como se eu carregasse um pequeno cubo do apocalipse, bem debaixo do meu umbigo.

Na vida social, confesso ter me sentido fraco pra sair com a galera “pochetado”. Na real não era fraco, mas sem saco. Com essa história de firma/NSG/pós e infinitas coisas mais, ando com pouco tempo para sair com os amigos. Quando tenho esse tempo, procuro não utiliza-lo com experiências sócio-culturais. então resolvi apelar para a única pessoa que me entende por completo nesse planeta: a namorada.

– Alô, namorada?! Vamos sair pra tomar um drink?

– Vamos, meu amor! Onde você quer ir?

– Em algum lugar bem hype, mas sem deixar de ser coxinha. Tipo o Spot.

– Claro, depois do trabalho nos encontramos e vamos.

Pra quem não conhece, o Spot é um restaurante cercado de vidros no meio de uma das regiões mais bonitas da Paulista, onde todos os garçons são estilosos, de cabelo moderninho e tatuados. É um lugar frequentado por arquitetos, designers e os coxinhas mais descolados da cidade. Quando vou pro Spot com a namorada, tradicionalmente, jantamos antes de ir, em casa, para assim apenas tomarmos drinks e o programa se adequar ao nosso orçamento. Enfim… jantando em casa eu já escutei: “amor, você tá lindo”… (logo percebi que era um elogio fora do tom)… “mas essa pochete não tá legal”. Bingo! A namorada que não liga se eu uso kilt ou jardineira, se via incomodada com a pochete.

Cheguei no Spot, com todo o ar transgressor que a pochete me proporcionara, e então a garçonete observou o item da minha cintura com “cara de cocô”. Opa! Aí sim!

O casal que estava ao meu lado no balcão, um senhor grisalho de blazer e calça jeans ao lado de uma moça mais jovem que usava um vestidinho de lantejoulas também me olharam com o mesmo olhar da garçonete. Pensei: “minha pochete chama mais atenção do que as suas lantejoulas, tia!”. E então esse ritual de olhares e mais olhares, fuziladas e mais fuziladas se repetiram por toda a noite.

A maior revolução social é aquela que acontece de forma silenciosa e elegante. Por isso a maioria dos revolucionários não emplacam. Eles agridem fazendo estardalhaço. A revolução da pochete é discreta, elegante e avassaladora.

E essas foram apenas as minha primeiras 48 horas revolucionárias. Vivi ainda toda uma semana tensa, com medo de levar bala de borracha dos policiais que diariamente me encaravam enquanto eu chacoalhava a pochete em minhas caminhadas.

Senhoras fundamentalistas viram uma alusão, despudorada, em relação ao pacotão que eu carregava abaixo do umbigo, marombeiros – aquela galera sarada do mahamudra – nada entenderam quando perceberam que uma pochete chama mais atenção do que seus gominhos abdominais.

Enfim, foi uma semana de contra-cultura! Realmente acredito que toda podridão do homem é entranhada ao estético visual e que todo foco transgressor contemporâneo está, atualmente, entrado à pochete.

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Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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