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Além do gênero

por Adolfo Caboclo, 27 de fevereiro de 2014
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Essa é a minha quarta tentativa de escrever um texto sobre o Além do Gênero, um ensaio fotográfico que tem como base a luta pela aceitação de transexuais na nossa sociedade. Nas três anteriores passei horas e mais horas produzindo um conteúdo aquém do esperado e muito me questionei sobre o motivo disso.

Em teoria fiz tudo certinho, com extremo esmero, pra essa matéria sair. Terça-feira passada bati um papo delicioso com os amigos responsáveis por esse projeto, a Núbia Abe e o Mateus Lima do coletivo Além, sobre este tema que acho tão bacana. Enfim, estava com “a faca e o queijo na mão” para escrever bastante, e, por consequência, o resultado final da matéria deveria refletir toda essa boa “preparação”. Deveria.

Não refletiu porque não existe matéria sem repertório. Entendi que dos mais de 200 posts que tem nesse site, o que aborda o tema mais desconhecido para a minha pessoa é justamente este. Enfim, eu não entendo nada sobre o mundo das transexuais, o meu maior contato com uma foi ao cumprimentá-la em um elevador e, há 5 anos, eu sequer as via nas ruas. Até mesmo hoje em dia, basta eu sair da região central de São Paulo (a maior cidade da América Latina) que não consigo ver transexuais gozando da vida social urbana não marginalizada que lhes é direito.

tumblr_n056vc16Ka1tqjc99o5_r1_1280Isso tudo me fez, mesmo já tendo me sensibilizado algumas vezes pelo trabalho do Além, ter uma sensação de “cair a ficha” do quão nobre são os ensaios desse coletivo e o quão gratificante foi conversar novamente com o Mateus e a Núbia na mesa do mesmo café em que nos conhecemos quatro meses atrás para falar sobre o ensaio Pelos Pelos. A real é que eu percebi que mais uma vez o cunho político-poético da dupla foi extrapolado de uma forma interessantíssima.

“O importante é o que a gente está mostrando sobre essas pessoas. A gente não tá mostrando a parte do glamour, da prostituição, o que geralmente é mostrado. A gente quer mostrar que elas são pessoas como a gente, que vivem, trabalham, estudam”, comentou o Mateus, que também explicou que essa distância do mundo transexual não era exclusividade minha. O coletivo conheceu sua primeira modelo deste ensaio no último Satyrianas, em novembro. Até então, embora tivessem o desejo de fazer esse projeto, eles não tinham muito contato com transexuais.

E pensando bem, o Mateus e a Núbia são os meus únicos conhecidos que já presenciaram a rotina de alguém que resolveu trocar de gênero. Ou seja, a minha falta de informação sobre o assunto é um fato que tenho em comum com a grande maioria da sociedade.

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“Agora a gente está com bastante contato e até estamos participando de eventos”, comentou Núbia, me fazendo pensar o quanto esses ensaios são feitos de coração. Assim que o Além começou o projeto sobre gênero, a dupla de fotógrafos já passou a ter um relacionamento real e consistente com militantes da causa transexual. As transexuais clicadas são pessoas que brigam diariamente e “matam um leão por dia” pelos seus direitos. O Além fez questão de enfatizar que trata-se de pessoas que são exatamente como a gente, que possuem suas rotinas e que só não estavam ali, naquele café que estávamos, porque “nós” as marginalizamos de uma forma muito escrota.

No ensaio é curioso perceber o cuidado dos fotógrafos ao registrarem imagens que retratam alguns momentos do dia a dia de suas modelos. Por exemplo, são inúmeros objetos comuns aos nossos olhos, que proporcionam ao observador algo extremamente familiar, próximo ao seu universo.

tumblr_mztsefX9Mn1tqjc99o1_r1_1280De uma forma geral, também é visível a evolução ideológica do coletivo. O Além do Gênero não briga por estilos de vida ou estéticos; este ensaio briga por pessoas, como um todo. O coletivo, durante o papo, deu sinais e contou histórias que relatam sua própria evolução de mentalidade durante seus meses de atividade (inclusive muitas dessas histórias cabem aqui no NSG). Quanto ao entrevistador que vos fala: ficou o sentimento de almejar cada vez mais o aprofundamento sobre o assunto e até mesmo defender com muito mais veemência a causa, confirmando a velha teoria de que quanto mais absorvemos as coisas, mais entendemos a pobreza do nosso repertório. Felizmente, o Além do gênero me proporcionou o início de uma fomentação sobre essa causa.

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Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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