Cérebros e cerveja no Zombie Walk
Em um mundo composto por frases prontas e “politicamente corretas”, a que mais bombou neste final de outubro foi aquela: “Halloween, que absurdo a gente ficar comemorando festa de gringo”.
Aí eu conto até dez pra não responder: “É minha senhora, ainda bem que comer frutas secas na frente da imagem do turco São Nicolau “repaginado” com um vermelho Coca-Cola em dezembro é uma homenagem pra Tupã”!
É muito interessante como a cultura por vezes é absorvida sem as pessoas perceberem e também é criticada com um julgamento que “não vê um palmo diante do nariz” e o que é pior: não se vê. Independente de críticas, a cultura “é um vírus”, e mais que isso, desde 2006, pelas ruas de São Paulo, a cultura se torna um “T-vírus” (pra quem não sabe o que é), graças ao Zombie Walk.
Na Terra da Garoa a caminhada zumbi acontece no el Día de los muertos – em bom “brasileiro”, finados – onde milhares de pessoas (há quem diga que foram seis mil) vão para o Vale do Anhagabaú viver a vida como mortos. O legal é que, nesse ano, tudo aconteceu em um dia ensolarado, daqueles que as ruas ficam chamativas. Foi uma delícia acordar tarde, naquele ritmo de sabadão, comer um sanduíche na “padoca” e pegar o metrô até o centro. Já no metrô, veio a surpresa: ao entrar no vagão me deparei com um simpático casal composto por um caçador de zumbis e uma boneca de voodo zumbi, que na verdade se tratava do casal Henrique e Michelly, que participa todo ano no evento, muitas vezes com o seu filhinho. Eles me contaram que a cada ano usam uma fantasia diferente e o legal é que são roupas de fazer os desinformados terem arrepios. A sangrenta cicatriz maquiada no rosto do Henrique e as inúmeras agulhas fixadas na pele da Michelly fizeram, de verdade, o passageiro sentado no banco ao lado se agarrar em um exemplar da Bíblia Sagrada de forma fervorosa.
E o casal me alertou: “Tem muito mais por aí, você vai ‘pirar’ com a fantasia da galera lá”. De fato, pirei.
Cheguei no Anhagabaú e dei de cara com uma verdadeira horda de walkers, mas não eram homogêneos, tinha zumbi esqueleto; zumbi cientista; zumbi de anime; tinham muitos zumbis “cachaceiros”, que assustavam sem tirar a latinha da mão; o zumbi micareteiro, sem camiseta mostrando os músculos com um pouquinho de “sangue” e na minha opinião, os mais legais eram as famílias de zumbis, que não eram poucas – papai e mamãe zumbis com seus pequeninos “zumbizinhos”, alguns até no carrinho de bebê. A verdade é que a idade média dos participantes era relativamente alta, adulta.
Alguns meses atrás, quando escrevi sobre a exposição Keep Walking Dead, falei que zumbi é coisa séria, muito séria, que afinal de contas a premissa do “Ensaio Sobre a Cegueira” de Saramago era muito parecida com a dos filmes de George Romero (polêmico) e também comentei sobre a aula de semiótica que a série Walking Dead nos dá, mas não é o caso do Zombie Walk, pois tudo foi uma grande brincadeira. Uma enorme e deliciosa confraternização dos fãs do gênero e isso é absolutamente lindo.
De onde veio esse universo dos zumbis? Não sei, possivelmente é estadunidense, mas posso afirmar que no último dia 2 a “zumbizada” foi tão brasileira quanto qualquer bloquinho de fevereiro.
Fotos por Adolfo Martins
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