Conheça o único museu da tatuagem latinoamericano
O centro de São Paulo, a maior cidade latinoamericana, sempre se apresenta subexplorada aos olhos do explorador. Neste lugar, o ato de “bater pernas” se torna libertação e com ele a descoberta de feições e vestimentas sem um padrão. Vem também o desbravar de ruelas e galerias, recheadas de lugares incríveis que vão do legal ao imoral.
Foi na Rua 24 de Maio que o revoar de alguns pombos atraiu o meu olhar para o prédio Cadete Galvão, construído em 1928 — um “senhor” para a nossa jovem história. Em seu andar térreo reparei num cartaz pedindo patrocínio para a restauração de sua pichada fachada (e dá-lhe discussão sobre “o que é arte urbana?”) e, na janela do primeiro andar, uma placa anunciando o Estúdio Polaco Tattoo, lugar onde fica o Museu Tattoo Brasil. Aproveitei que o jovem porteiro discutia com o seu colega sobre Dragon Ball Z (é sério) e subi as escadas do prédio sem perguntar nada. Chegando no primeiro andar, a minha pele “virgem” de tatuagens me denunciava como “forasteiro”, então a moça da recepção indagou, “em que posso ajudar”?
Pedi para conhecer o museu e ela me explicou que naquele dia era impossível, apenas com hora marcada, então marquei um horário para o dia seguinte, quando o tatuador Omar Del Pezo me recebeu.
Nesse momento duas coisas me chamaram a atenção. A primeira foi a receptividade do pessoal do museu, o prazer que eles sentem no ato de abrir as portas da casa para difundir a cultura da tatuagem e da expressão artística através do corpo. A segunda foi ver o carinho com que o Polaco, idealizador da parada toda, montou todo o acervo do museu.
O Omar começou a minha “viagem” pelo mundo da tattoo mostrando os desenhos originais do dinamarquês Lucky Tattoo, que foi o cara que em 1959 trouxe a maquina elétrica de tatuagem para o Brasil. Como por aqui ele se encantou pela cidade de Santos, é incrível ver as referências marítimas em sua obra. Em 1975, o jornal O Globo apontou Lucky como o único tatuador profissional da América do Sul. No museu também é possível ver desenhos de outra “lenda” da tatuagem, o estadunidense Paul Rogers, tatuador mundialmente famoso.
Instrumentos para fazer tatuagens também não faltam no espaço, desde máquinas usadas em penitenciárias russas, até mesmo no nosso Carandiru. Ainda é possível ver os “pauzinhos” do tebori, a técnica de tatuagem manual japonesa (impossível não pensar naqueles corpos com as costas totalmente tatuadas e com suas peles valendo fortunas depois de mortos no mercado negro japonês, rs).
A parte que eu achei mais interessante foi a das fotos e réplicas de cabeças Maori. Indígenas oriundos principalmente da Nova Zelândia, eles tinham o rosto todo tatuado e o hábito de, ao morrerem, serem decepados e suas cabeças adornadas para serem expostas de uma forma mística. Com a chegada do homem branco, não demorou muito para eles começarem a se matar para trocarem cabeças por armas de fogo. Posteriormente, o próprio europeu passou a organizar caçadas para um tráfico pesado de cabeças que seriam destinadas aos colecionadores.
Uma outra curiosidade é que a técnica com “pauzinhos” que eles utilizavam é responsável pelo nome tattoo, uma onomatopéia.
Dei uma olhada nos inúmeros livros de tatuagem e fotografias do acervo da casa e, ao terminar o meu tour, ainda tive a honra de esbarrar com o próprio Polaco — o museu expõe seus inúmeros troféus como tatuador e um painel comemorativo pelos seus 30 anos de serviços comemorados no ano passado. Foi bacana, o agradeci bastante pela iniciativa de proporcionar um espaço legal como esse para a cidade. Realmente, foi uma tarde onde eu tive uma verdadeira aula sobre história e arte.
Fotos por Adolfo Martins
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