O verniz social e o crítico de Marte
Pedante ou erudito?
Já tive a dúvida se eu nasci prepotente ou se foi o mundo que me injetou doses considerável de arrogância.
Na verdade, a vida até que se esforçou para abaixar a minha bola. Me colocou em uma escola extremamente tóxica, onde sofri um bocado com colegas que me agrediam fisicamente e moralmente em tempo integral. Sou grato por isso. A agressividade desse bullying conteve boa parte do meu ego durante a infância e adolescência.
Como contraponto, aos 17, me mudei para o Rio de Janeiro. Abaixo do Redentor, rapidamente encontrei conforto para o meu sol em áries com ascendência em touro. Me cerquei de homens poderosos que me ensinaram a harmonizar mundos que até então não sabia circular.
Somando com os estudos em uma ESPM carioca do início dos anos 2000 – onde o case machista da Skol era um ícone de criatividade publicitária -, não demorou muito para eu me tornar um jovem pedante e equivocado.
Por algum tempo, tentei achar respostas para o meu comportamento dessa fase. Me questionava se tanta prepotência era fruto da pouca idade ou então do sol em áries. Mas quando voltei a viver em São Paulo, percebi o óbvio: eu tenho um egão da porra mesmo.
Gosto de prestigiar gente com algum brilhantismo e aparecida, mas meu sangue ferve diante de pessoas que falam alto, mas são medíocres. Essa é a maldição de quem se vê no espelho. A agonia da projeção. A dor de reprimir um monstro interno e ao mesmo tempo vê-lo nos outros.
Envolto no emaranhado de reviravoltas da vida, de forma inconsciente, pouco mais de um ano atrás, me inscrevi em uma pós-graduação de crítica e curadoria de arte. E foi nesse curso que toda a minha perspectiva sobre o cenário apresentado ganhou alguns ingredientes.
Não demorou para me ensinarem a pira de Foucault e seus capitais “culturais” e “sociais”. Entendi a sede pelo “verniz social” que sempre moveu a sociedade. No momento que aprendi que o crítico de arte critica, muito mais, outros críticos e curadores do que a própria arte, passei a entender que meu “egão” é uma lagartixinha perto do ego desses caras.
Estou falando que eu não gosto de críticos de arte? Não, muito pelo contrário.
É de lascar ver o conhecimento desse povo que entende de tantas camadas da história, que fala tantas línguas, que leu tantos livros e conhece tantos diretores que eu nunca tinha ouvido falar.
É fofa a forma como sempre encontram algum problema expográfico e é surpreendente como, mesmo os que ainda não são críticos – como meus colegas de pós-graduação, por exemplo – passam horas discutindo uma produção artística. Mesmo jamais tendo produzido qualquer objeto de arte.
Certa vez uma curadora professora criticava Picasso. Indaguei, “professora, mas é o Picasso”. Recebi como resposta, “mas é pra isso mesmo que estamos aqui, pra ver problemas”. Fiquei imaginando o quanto uma pessoa com desdém da obra de Picasso deve desdenhar o resto da humanidade. Vi alguma poesia de solidão aí.
Talvez reclamar da cor na qual uma parede foi pintada, em alguma exposição do MASP, não seja um recalque tão diferente do meu: quando chego em um churrasco e, de forma deselegante, quero tirar o sertanejo pra colocar uma MPB. Talvez, tudo que eu quisesse na minha época de escola fosse erudição suficiente pra legitimar minha pedância: isso sim seria meu fim.
Lembro do meu pai falando, “maior barato ser humildão”. Ele me explicava que algumas palavras e atitudes são a tentativa de maquiar coisas que todo mundo percebe e ninguém precisa ficar falando.
Acho que ele sempre teve certeza: eu nasci prepotente e em um mundo que me injetava doses consideráveis de arrogância.
Com esse entendimento, sinto um desconforto ao imergir nesse tal mundo da arte. Um medo de repetir o mesmo erro de tanta gente erudita metida a besta. Acho que tentarei me tornar um “crítico de Marte”?
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