Em minha primeira semana aqui em Madrid quase todo mundo que conheci me fez a mesma pergunta: “Por que você chegou agora? Por que não está no carnaval do seu país?”. Para quem não gosta dessa data – e eu conheço muitos – realmente deve ser uma maravilha estar em um país tão distante numa época em que o Brasil pára para o carnaval. Porém para mim, uma amante dessa festa, foi muito sofrível ver as fotos da folia dos meus amigos usando fantasias e máscaras em diversas cidades pelo país, e eu aqui, sem poder participar.
Lamentação à parte, para minha surpresa e alegria, a capital espanhola resolveu nos presentear. Desde que chegamos vi cartazes pela cidade anunciando o Carnaval de Madrid, que assim como o do Brasil, seria celebrado do dia 9 a 13 de fevereiro. Mas não levei a sério, assim como em meu país eu não comemoro “St Patrick’s Day”, “Thanksgiving” e outros feriados alheios.
Mas devo admitir que o carnaval madrileno conseguiu me surpreender. E muito! Coincidentemente no segundo dia do carnaval, dia 10, quando estava indo visitar o centro da cidade, ao sair do metrô Banco de España, vi uma muvuca fantasiada na rua e foi aí que entendi. A avenida Gran Vía e arredores – a região mais turística da cidade – estava fechada para a abertura do carnaval de Madrid. Milhares de crianças, jovens e velhos estavam na rua fantasiadas, pulando e bebendo, e confesso que vi fantasias na rua muito mais originais que costumo ver pelas ruas do Brasil (claro que por aqui o frio ajuda a melhorar a produção). Também vi na mesma avenida um desfile de carros alegóricos que, ok, não são aqueles imponentes carros que estamos acostumados a ver desfilando na Sapucaí, mas eram carros bem bonitos e enfeitados. Como se não bastasse tanta informação para digerir, de repente começou uma bela queima de fogos no Palácio de Cibeles – lugar com a arquitetura mais bonita que vi aqui até então.
Foi uma ótima palhinha, junto com a exposição de máscaras que vimos posteriormente no mesmo Palácio, porém o que vai ficar de inesquecível nesse meu primeiro carnaval madrileno, sem dúvida alguma, é a grande festa de encerramento que aconteceu no dia 13, o “Entierro de la sardina”. Esse sim é “O” carnaval madrileno, pois trata-se de uma tradição que começou há mais de 500 anos. Um madrileno borracho que celebra a festa já há muitos anos me contou o porquê dessa celebração. Disse que a séculos atrás quando vinha um lote de sardinhas do norte na Espanha e estas chegavam estragadas e impróprias para se comer na quarentena, todo mundo em clima de festa de carnaval decidia fazer uma celebração para enterrar as sardinhas podres. Hoje a tradição é mantida e os homens obrigatoriamente têm que se fantasiar de duques, como eram as roupas daquela época, e as mulheres de víuvas, como estivessem indo em um verdadeiro enterro. Achei outras versões em minhas pesquisas, como uma em que diz que enterrar a sardinha simboliza o enterro dos pecados cometidos durante a celebração do carnaval. Porém, prefiro ficar com a versão do convincente señor Borracho.
A festa desde aquela época acontece na região do Príncipe Pio, perto do Río Manzanares, e é um carnaval como tem que ser: crianças fantasiadas, bandinha tocando, todo mundo bebendo, cantando e se divertindo. A diferença é que aqui, por força da tradição, o que prevalecem são as roupas negras dos duques e das viúvas. E como estávamos em um enterro, um carro fúnebre nos acompanhou durante todo o trajeto. O ritual final nos levou até a Casa do Campo, um grande parque na Espanha, onde as sardinhas (de verdade!) são devidamente enterradas e queimadas. “Pobre de la sardinaaaa”, o señor Borracho – mais borracho do que nunca – gritava. Um fogaréu intenso foi o encerramento dessa noite, que talvez tenha sido a mais divertida em terras espanholas até então, com todos os duques e viúvas cantando ao redor. Por isso corrijo o que disse antes: o carnaval espanhol não me surpreendeu. Mais do que isso, ele me encantou. E que venham mais sardinhas podres para enterrarmos!
Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato.
Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.
Comentários