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“E que nem é direito ninguém recusar”

por Fernanda Miranda, 28 de novembro de 2012
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Alguns dos textos da jornalista Eliane Brum me incentivaram a lembrar que não ignorar a morte nos ajuda a ter uma vida melhor. Para quem a conhece sabe que Brum dedica boa parte de seus textos à reflexão do inevitável destino humano, bem como sobre a velhice – temas que frequentemente evitamos falar por muitas vezes termos medo. Pra mim soa estranho o medo bem daquilo que é certo e inquestionável – quando todo o resto na vida é mutável e imprevisível. Ok, o quando da morte é imprevisível, mas a morte em si não. Acho que quanto mais refletirmos, e quanto mais naturalmente encararmos estes medos, maior será a qualidade da vida – permitindo uma vida sem sombras, ou melhor, com menos sombras.

A  arte – seja na música, no cinema, na poesia, na pintura etc etc – sempre colaborou muito na reflexão do tema, tanto para o próprio autor lidar com a angústia da morte (como no caso da música “Tears in Heaven”, numa letra escrita não pela “celebridade” Eric Clapton, mas por um pai abatido traduzindo toda sua dor em palavras), ou mesmo para nós, o público, refletirmos. Por achar que esse é um tema de muita relevância nas nossas vidas, gosto e tenho um interesse profundo em saber como as pessoas a encaram, e por isso, tive uma enorme satisfação quando li que estava tendo em Londres a exposição: “Death: A self-portrait”, na Wellcome Colection.

Montada pelo estadunidense Richard Harris, a exposição é um ótimo espaço para a reflexão da fragilidade humana perante a vida e a morte. São mais de 300 obras divididas entre as salas “Contemplating Death” (Contemplando a morte), “The Dance of Death” (A dança da morte), “Violent Death” (A morte violenta), “Eros & Thanatos” e “Commemoration” (Comemoração).

“Contemplating Death” é uma sala com obras meramente contemplativas, lembrando a todos nós que sim, um dia iremos morrer – inclusive, muitas das obras expostas são intituladas “Memento mori”, (como o quadro abaixo) que em latim quer dizer “lembre-se que você irá morrer”.

Memento mori, Unknown artist (Germany)

Infelizmente não é autorizado tirar fotos na exposição e não consegui achar na internet a minha obra favorita dessa sala, mas para tentarem visualizar, “Portrait of a Doctor”, de Lucas Franchoys the Younger (1616-1681, Belgium), é o retrato de um nobre doutor com uma de suas mãos sobre um crânio. O quadro, ao mesmo tempo que mostra o conhecimento deste doutor diante da anatomia, também revela a fragilidade e os limites que este conhecimento tem diante da morte.

Já na sala “The Dance of Death”, mostra a morte como ela é – diante da morte somos todos iguais. Algumas das obras têm até uma visão bem humorada do tema. A obra abaixo, por exemplo, é uma estampa japonesa (conhecida também por ukiyo-e), – técnica de pintura desenvolvida no Japão – onde esqueletos brincam, tocam violão e fazem piquenique. Leio isso como um “não se leve tão a sério”, e vá ser feliz enquanto há vida.

Frolicking Skeletons, Kawanabe Kyosai

A terceira sala “Violent Death”, no entanto, como o próprio nome sugere, é um encarar a morte da maneira mais cruel – a morte injusta, a morte na guerra, a morte não merecida. Nessa sala meus olhos foram bombardeados por uma parede com dezenas de quadros pesados. Homens nus com seus corpos esquartejados; minhocas saindo de dentro de crânios; pessoas aflitas correndo da inevitável morte numa guerra. É nessa mesma sala que estão expostas as gravuras de Goya relacionadas à morte. Assim como as imagens em si, os títulos de suas obras já dizem muito. “Esto es peor: desastres de la guerra”, “Tristes presentimientos de lo que ha de acontecer”, e principalmente, a que mais me tocou, “Enterrar y callar” (abaixo).

Enterrar y Callar, Francisco de Goya

A próxima sala, “Eros & Thanatos” – o instinto para a vida (Eros) e o instinto para a morte e para a destruição (Thanatos), o que Freud identificou como o eterno conflito do homem. Nosso grande dilema. Bem no centro dessa sala vi um corpo feito de acrílico cortado ao meio, – o que me permitia ver todos os órgãos internos – em cima de uma caixa de madeira escrito “frágil”. É exatamente isso: somos completamente frágeis. Esse foi o momento na exposição em que eu mais me senti pequena e “diminuída”.

Essa sala tem obras incríveis, mais a que mais me emocionou foi a “Der Arzt, Das Mädchen, Und Der Tod”, (O doutor, a menina e a morte) de Ivo Saliger. A comovente imagem de um enfermeiro na tentativa de salvar uma menina da morte, ao mesmo tempo em que ela é “agarrada” pela própria. A plaquinha ao lado dizia que Saliger pintou esta obra na época da morte de sua irmã, o que pra mim agregou ainda mais valor. Me arrisco a dizer que é a minha preferida da exposição.

Der Arzt, Das Mädchen, Und Der Tod, Ivo Saliger

Por fim, a sala “Commemoration”, mostra rituais associados com a morte e com o luto em diversas culturas e momentos históricos, muito legal para ver as diferenças de visões e compreensões da morte que se tem em cada cultura.

Como o organizador da coleção Richard Harris enfatizou, essa exposição nos faz ver através da história o nosso eterno desejo de ficar em paz com a morte.

From the series The Day, the Night and the Dead, Dana Salvo

Untitled (family portrait: wedding), Marcos Raya

 

 

Fernanda Miranda

Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato. Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.

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