O Ferro e as Palavras no MAM Rio
A temporada de artes no Rio está para todos os gostos. Quem ficou sabendo a tempo, não se arrependeu de ter ido conferir a belíssima montagem de Sonho de Uma Noite de Verão, no Parque Lage, com a Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera & Repertório. Encenada a céu aberto nos jardins do Parque, na noite de estréia, a chuva aguardou pacientemente três atos de 50 minutos e só caiu ao final dos aplausos. Magia Shakespeareana.
Do Centro Cultural dos Correios à recém inaugurada Casa Daros, em Botafogo, o Rio recebe mostras que reúnem um pouco de tudo. Vídeos, fotografias, objetos, instalações e performances. Mas o grande destaque do meu fim de semana ficou para a exposição Carne Misteriosa, do português Rui Chafes, no MAM. Vazio e tranquilo no sábado, o museu fez valer a pena não ter aproveitado por mais tempo o sol da tarde nos jardins projetados por Burle Marx.
A história do Rui Chafes é curiosa por que ele une dois talentos bem distintos: A paixão pelas palavras e o domínio da escultura. Ele é um dos mais importantes artistas contemporâneos de Portugal, e trabalha com o ferro, explorando todas as possibilidades que esse elemento oferece. Um ferreiro poeta, que expressa através das suas duras esculturas, a sutileza das palavras. As curvas presentes em seu trabalho confundem o olhar, despertando no público a vontade de tocar e sentir o material, para certificar de que aquilo é realmente ferro, e não qualquer outra matéria que pudesse representar melhor as curvilíneas formas das suas obras. Além do ferro, a não obviedade de seu estilo, conferem intensa expressividade às esculturas. Elas realmente parecem revelar as palavras e os sentimentos do autor.
A exposição foi concebida em dois níveis, no chão são sete salas, e no teto, grandes esculturas e textos do curador Marcio Doctors. Na sala Um, estão reunidas obras da série “l’inomminable feuille de…”, mais tarde nomeada de “pick-pocket”. Essas peças foram moldadas a partir da mão do artista, e junto a elas, fotografias em preto e branco revelam a origem de suas formas, mostrando como a mão de Rui se encaixa perfeitamente em cada escultura. Já na sala Dois, “Inferno”, o artista faz uma incursão ao mundo dos mortos, e elabora uma referência aos desenhos de Botticelli para a Divina comédia.
A sala Três nomeada de “Solidão”, é baseada na frase “estamos sós com tudo aquilo que amamos” do poeta e filósofo alemão Novalis, do qual Rui é tradutor para a língua portuguesa. A Quatro, é “Durante o Fim”, onde é projetado um vídeo sobre a obra de Chafes; a sala Cinco é o ‘ O Sonho de Giorgio de Chrico”, e reúne estruturas quadradas por fora e redondas por dentro. A sala Seis, “O Silêncio de…” é uma instalação de uma obra em progresso, pensada a partir do hábito do artista de escrever e, de tempos em tempos, queimar seus textos, para então guardá-los em caixas de aço. E por fim, a sala Sete, a “A história da minha vida” é uma instalação áudio-visual que narra a história de vida do artista.
Do teto, “Um Sopro Dolorosamente Suave” não passa despercebido, mesmo apesar da localização improvável, com sete metros de comprimento e 400kg, ela flutua sobre a exposição como uma nuvem.
É difícil eleger uma dentre as 87 obras expostas, como a preferida. Todas chamam atenção, confundindo o leve e o pesado, o denso e o suave. Mas é elementar dizer que o Rui, com seu talento multidisciplinar e sua poesia sensível, não deixa o público sair apático da galeria. Independente do que cada um sinta ou interprete em sua obra, Rui Chafes ensina que é possível escrever em ferro.
Fotos: Divulgação
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