Sambas pesados no Bom Retiro, Bela Vista e Bixiga
A boêmia de um sábado com o Samba do Bule, Sambadela e na Toca da Capivara
Ah, como meu pai adorava cantar João Nogueira! Com sua voz melodiosa de trovão trovava: “não, ninguém faz samba só porque prefere”.
Era uma voz astral, ecoante, que fazia tremer os corredores da casa. Ele cantava batendo uma colher no prato. Engraçado que o som do prato ficou ainda mais presente na semana passada, quando um sambista me disse: “o choro é na sala, o samba é na cozinha”.
E então esse sambista legitimou essa frase com bases bibliográficas e explicações interessantíssimas: da cozinha que saem os pratos e as caixas de fósforos que acompanham cavaco e pandeiro. Justo.
Com meu pai, e também com o João, entendi que sou “nó na madeira”. Sempre foi difícil explicar aos meus amigos gringos que sou “nó na madeira, lenha na fogueira que já vai pegar: se é fogo que fica ninguém mais apaga, é a paga da praga que eu vou te rogar”. Explicar que roda de samba é bruxaria pesada. Ritual tupiniquim tem dessas coisas.
E olha que só no sábado passada eu fui em três sambões (além da exposição do Cartola).
Samba do Bule
Comecei no entardecer. No bairro que é a tradução do DNA paulistano, o Bom Retiro. O Samba do Bule sempre acontece na tarde do último sábado do mês.
Jovens bambas que tocam no solo sagrado do Teatro Popular União e Olho Vivo – o teatro popular mais antigo da América Latina.
Cesinha e Rafinha na percussão, Flávio Lobo no cavaco e tantos outros que nos ensinam que sambar é resistir.
Local onde pandeiro e catuaba tornaram-se instrumentos de celebração. A inspiração sempre oriunda do bule que fica na mesa da roda, cheio da mística cachaça do Bom Retiro. Um gole pro santo, outro pro poeta. Respeito não pode faltar.
Rua Newton Prado, 766 – Bom Retiro
*imagem do Facebook do Samba do Bule
Toca da Capivara
Antes de anoitecer, migrei feito passarinho para a Bela Vista. A Toca da Capivara foi meu destino. Já vi que a coisa era séria quando percebi que o pandeiro estava na mão do Washington – autor do samba “A Nega Mais Feia da Boca do Lixo”, consagrado no Batalhão da Vagabundagem no Centro.
A roda que estava por lá era a “Bixiga Não é Só Arranha-céu”. Parrera de Jesus e Wilsão na percussão, Rodrigo Alvez no cavaco e outros. Sambistas pesados. Naquela noite, usaram e abusaram de improvisos no partido alto. Samba quente, muito quente. Roda e público sassaricavam como um único corpo.
Rua Major Diogo, 865 – Bela Vista
Casa Barbosa
Assumo que depois da Capivara já estava chamando urubu de “meu loro”, mas alguns espíritos da boêmia me arrastaram para a Casa de Barbosa, no Bixiga. Foi lá que vi o Sambadela. A roda de samba só com minas: Giulia no cavaco, Marina no vocal e tantas outras empodeiradas que faziam a terra tremer. Já era noite. Já era tarde. Por lá vi bambas, por lá vi gringos. Pratiquei a fina flor do portunhol com irmãozinhos chilenos e peruanos.
Engraçado que por lá também acabei encontrando os irmãozinhos do Samba do Bule. Depois de tantas horas, parece que também foram norteados pela mística cachaça do Bom Retiro no bule.
Mas, naquela hora, era hora das minas serem protagonistas no palco. E elas cantaram até mesmo João Nogueira. Ah, como meu pai ia adorar escutar essas minas cantando João Nogueira. “Não, ninguém faz samba só porque prefere…”
Rua Rui Barbosa, 559 – Bixiga
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