Sexo e a polêmica entre o que é arte e o que é pornografia
Um rapaz de 19 anos chamado Clayton Pettet, estudante da Central St. Martins Art School em Londres, criou um projeto chamado “Art School Stole My Virginity”, algo como “A Escola de Artes Roubou a Minha Virgindade”, em que, ao vivo e a cores, para um seleto público, fará uma performance onde perderá a virgindade. Uma performance inovadora e corajosa, que deseja levantar o debate sobre a relação entre arte, sexo e a qualificação do virgem como um ser puro e superior. Coisa que a igreja católica nos vem ensinando enfaticamente há alguns mil anos.
Pettet conta que o tema virgindade sempre o interessou. Para ele, perder a virgindade é um conceito um tanto quanto abstrato – principalmente para os homens –, e que a ideia de virgindade se torna ainda mais complexa quando a relação acontece entre dois homens ou duas mulheres.
Sem dúvidas, até mesmo o mais pós-moderno dos seres concordariam que a proposta da performance é polêmica e discutível. No entanto, independente de revelar um resultado interessante ou não, ela ilumina um assunto importante: o sexo enquanto manifestação artística.
Ao mesmo tempo em que Clayton Pettet ganha a mídia local e internacional com seu projeto controverso, uma exposição em um dos museus mais tradicionais de Londres levanta uma questão similar: Shunga: Sex and Pleasure in Japanese Art, em cartaz no British Museum, a qual essa semana eu fui conferir.
Enquanto alguns críticos avaliaram a exposição como meramente pornográfica, outros admiraram a riqueza histórica e a qualidade artística das peças. E eu já entrego de início que sim, achei pornográfico, mas não menos artístico por isso. Shunga foi tanto uma verdadeira aula de história, quanto uma gostosa viagem ao Japão erótico do século XVII ao século XX.
Shunga é um dos mais extraordinários e populares trabalhos de arte erótica, reunindo gravuras, pinturas, livros e desenhos. Alguns poucos, e outros completamente obscenos. Uma exposição que há algum tempo seria inconcebível, mas que hoje é sucesso de público. Um público às vezes meio envergonhado, que ria tímido ou que ficava sem graça ao compartilhar aquelas cenas ao lado de tanta gente, mas que estava lá, lotando as salas do British Museum.
Homem com homem, homem com freira, mulher com polvo, orgias, ménages e casais apaixonados – Shunga é para todos os tipos de relações. Concebidas em obras fabulosamente pintadas e que, para mim, não chamam atenção apenas pelo ato sexual, mas também pelos belíssimos tecidos da época que adornam o corpo das personagens nas pinturas. Achei interessante também o conceito de mutualidade. O prazer na relação é retratado tanto para o homem como para a mulher, coisa que o detalhe dos olhos e das mãos não deixam esconder.
Proibida por muitos anos, Shunga era distribuída tanto como forma de entretenimento, quanto como de educação para virgens. E era, principalmente, feita por artistas do “floating world” como Utamo e Hokusai. Foi trazida ao ocidente pelo Capitão John Saris há 400 anos, no que deve ter sido uma das mais curiosas e polêmicas transferências artísticas do mundo. Infelizmente muitas imagens trazidas por ele, foram queimadas por oficiais ingleses que se sentiram ofendidos. E com isso, as imagens de Shunga só foram exibidas pela primeira vez em Londres no ano de 1973.
Shunga influenciou artistas como Rodin e Picasso, além de inspirar também formatos modernos como mangá, anime e a tatuagem japonesa. Ela nos mostra que o limite do que entendemos como sexualmente interessante, não necessariamente deve refletir a expressão sexual de uma sociedade. E que todo assunto pode se tornar objeto artístico. Principalmente o sexo, relação imutável e natural, pulsante em todos nós, durante todos os tempos.
Fotos por Fernanda Sigilião e Divulgação.
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