Uma outra forma de fazer teatro
A criação, na esmagadora maioria das vezes, vem de algum conhecimento acumulado e, por mais superficial que essa constatação possa parecer, se fizermos simples exercícios de observação nos daremos conta de inúmeras inovações óbvias e geniais todo santo dia.
Vi um exemplo desses neste final de semana aqui em Madrid, em um teatro. Convenhamos, teatro é um espaço que surgiu na Grécia antiga e por mais que tenha variado ao longo dos últimos milênios se mantém um conceito firme e forte com três elementos: “lugar”, “apresentação” e “público” (lógico), e este teatro que vi fez o seguinte: substituiu um desses elementos, no caso “lugar palco” por “lugar ônibus”. O resultado foi uma maneira inovadora de fazer arte.
O TeatroBus, (não é um nome criativo, mas serve) como negócio, me pareceu algo absolutamente viável, onde todos os espectadores compram seus bilhetes pela internet e basta um motorista e um ator para fazer a ônibus virar teatro. Também me pareceu flexível, pois vai até várias cidades e atende inúmeros públicos. Achei uma ideia honesta, esperta e útil.
Fui na apresentação na tarde deste domingo. Entrei em um ônibus escuro, lotado, com muitas crianças e objetos pelas poltronas de veludo vermelho. Quem nos recebeu no veículo foi o personagem do monólogo, o Don Quijote de la Mancha, vivido pelo ator valenciano Quico Ferrero, que posteriormente apresentou uma narrativa que falava da Espanha com muitas piadas, referências atuais e pitadas de crítica à atual crise, porém, aos meus olhos, muito mais interessante que a vida que o ator deu ao frágil personagem foi o uso do espaço como um todo.
Todos os elementos que estavam no ônibus conversavam, os objetos nos bancos logo se tornaram artefatos que ajudaram a platéia a interagir com o espetáculo. Não demorou muito tempo de peça para o Quijote transformar o gordinho que sentava algumas poltronas à frente em um Sancho Panza e colocar uma peruca de Dulcinea no simpático bigodudo ao meu lado. O trajeto do próprio ônibus junto com o movimento de abrir e fechar as cortinas do veículo ajudou a criar cenários bem bacanas. A parte mais engraçada da história foi quando o Quijote – que ouvíamos o tempo todo através de seu microfone de lapela – desceu do ônibus e começou a “desafiar” com sua espada alguns pedestres transeuntes que não entenderam nada…
A real é que recriar algo é relativamente fácil, mas temos um olhar muito viciado para as coisas. Se nós somos assim, imagina nossos governantes. Se o Teatro Bus é uma coisa super viável para o setor privado, imagina então quantos ônibus parados tem na prefeitura da sua cidade, quantos atores desempregados vivem no seu bairro e quantos alunos de colégios público não podem ir ao teatro.
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