Happy hour a bordo
Certa vez entrei em um taxi e então, como de costume, comecei a papear com o senhor que dirigia. Na ocasião estava voltando de uma reunião para a “firma”, com a cabeça cheia de problemas tão maiores que a minha maturidade, e foi aí que me surpreendi quando o já “cascudo” motorista me perguntou: você sabe por que estou sempre feliz? Fiquei olhando para aquele homem, com pelo menos três décadas vividas a mais que eu – de pele jambo, cabelos grisalhos e tantos traços de vida no rosto. Ele acabara de me oferecer a fórmula do conforto entre um papo sobre suas filhas e o gol do Neymar. Como assim? Naturalmente, respondi que não sabia o que o tornava tão felizardo. Foi então que ele me olhou cheio de moral, estufou o peito grisalho e disse: “porque eu tomo, todo dia, uma no bar”. Antes que eu deixasse de levá-lo tão a sério, o homem completou: “mas só uma, porque você não vai ao bar pra beber…”. E começou a se explicar. Disse que no serviço não somos nós mesmo e que lá acumulamos uma série de coisas que não se deve levar pra casa. Que todo dia, há mais de 40 anos, no final do expediente ele toma uma “gelada” antes de ir pros braços da esposa. As mandigas recebidas, olho gordo, problemas, irritações e tudo o que absorve em seu serviço, fica no botequim.
Um lugar que tem a serpentina e a pressão, certinhas. Que te oferece uma primeira “golada”, que irriga a seca que o dia provocou, como tem que ser oferecida. Que você sente o chão balançar logo quando chega. Literalmente. Estamos falando de um barco, o Tottershall Castle, que com seus 74 anos de vida recém-completos, receio que seja mais “vivido” e rodado que o amigo taxista.
Minha semana começou “arretada”, como uma “segundona” deve começar. E caminhava para seu final melancólico, quando tocou o celular. Um sotaque tcheco falava do outro lado da linha. Era meu amigo Martin, que se tornou um grande parceiro na produção das últimas matérias desse site, me chamando para fazermos alguma coisa com as respectivas namoradas, e aí me bateu a vontade de dar uma “passadinha” no Tottershall, que sempre me “piscava” durante minhas caminhadas às margens do Tâmisa e eu sempre “me fiz de difícil”.
Os caras, de fato, sabem aproveitar um ambiente ($$$). Reservam também a embarcação para reuniões, palestras e festinhas. O que não condiz com o meu sentimento ao escrever essa matéria, pois a bordo do Tottershall Castle senti uma paz muito grande. Paz de quem foi bem atendido, teve um papo maravilhoso com amigos, e sentou em uma mesa que, provavelmente, era a única que não falava inglês com sotaque britânico, – fato inédito aos meus ouvidos desde minha chegada na “London, London”. Felicidade que veio exatamente como aquele taxista profetizou, porque joguei tudo que tinha me impregnado durante o dia no chão do boteco, nas águas do rio e fui pra casa. Em paz. Levando só o que era pra levar: algumas conquistas por dentro e um profundo amor pro dengo.
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