Os quitutes das favelas cariocas
Aconteceu ontem o lançamento do livro Guia Gastronômico das Favelas do Rio, um projeto do diretor de cinema Sergio Bloch. A ideia de criar um Guia com os principais restaurantes das favelas cariocas surgiu enquanto ele filmava um documentário nas favelas recém pacificadas, uma vez que ele e a equipe aproveitavam para almoçar por lá durante as gravações. Foram visitadas onze favelas, entre elas Santa Marta, Tabajaras, Chapéu Mangueira, Vidigal, Rocinha, dentre outras.
A minha missão no último sábado, dia 6, era visitar a Laje da Tia Léa, um dos restaurantes citados no Guia, que me chamou atenção pela incrível vista que se podia ter do alto do Vidigal, e também pela própria Tia Léa, uma figura carismática, famosa por receber artistas em sua laje e por apresentar um programa de culinária dançando hip hop na TV comunitária do Vidigal. Achar o restaurante foi fácil, seguimos de taxi até metade do trajeto pela rua principal e depois continuamos a pé, mas infelizmente, o restaurante estava fechado. A Tia Léa me explicou que a feijoada só acontece com reserva, para eventos fechados e que não abre todos os fins de semana. Símpatica, se ofereceu para me mostrar a laje mesmo assim, mas com fome e decepcionada por não conseguir degustar a famosa feijoada, resolvi partir para outro morro, o Tabajaras!
Ao pé do morro dos Tabajaras, subindo por Botafogo, está o Fino Paladar, também conhecido como o restaurante da Tia Vera. Apesar de o grande dia ser sexta-feira, quando há feijoada e bobó de camarão com aipim, imaginei que algo tão saboroso quanto isso estaria no cardápio de sábado, mas infelizmente, por conta do lançamento do livro, o restaurante estava fechado. Sem perder as esperanças e já aceitando que o meu almoço tinha se transformado em um tour pelos morros do Rio, parti para o Dona Marta!
Era uma vergonha, pois mesmo sendo vizinha do Morro Dona Marta, o primeiro a ser pacificado, eu nunca havia subido o morro de bondinho – parte do projeto do plano inclinado, que conecta o morro em quarto estações. Na Terceira estação, mais precisamente na rua do Mengão, está o restaurante Bar do Zequinha, também fechado por conta do lançamento do livro. Na quarta estação está a famosa Laje do Michael Jackson, onde ele gravou o videoclip “They don’t really care about us” e foi para lá que eu fui, aproveitando para não perder a viagem, mas já desistindo do almoço. A vista do Dona Marta é incrível, é possível ver a praia de Copacabana, a lagoa e as praias de Ipanema e Leblon, além de claro, o Cristo Redentor, bem de pertinho. E a laje do Michael Jackson é um lugar perfeito para admirar o visual.
Para minha surpresa, meu almoço acabou em samba. Todo primeiro sábado do mês acontece o Pôr do Santa, um samba ao vivo, na laje do Michael Jackson, entre as cinco e as dez da noite, com feijoada a R$10. Vale a pena chegar um pouco mais cedo e evitar a fila do bondinho. Na laje existe ainda um bar com cerveja gelada a R$5, um ponto estratégico para aguardar o samba começar. O Pôr do Santa fica bastante cheio e o público é bem variado, estrangeiros, moradores do morro e vizinhos da Zona Sul compartilham a laje durante o evento e o clima é de festa. Mais do que isso, para mim, clima de festa fora da cidade, por ser um lugar com uma vista do Rio que eu ainda não tinha tido a chance de apreciar.
O momento da cidade é perfeito para descobrir todos os Rios de Janeiro que o Rio de Janeiro tem. Mas acima de tudo, sem esquecer de respeitar essas áreas e seus moradores. Acredito que quando abre-se o morro, abrem-se também a casa de centenas de pessoas. A divisão do espaço público e privado nessas áreas é uma questão bem complexa, por isso, mais do que em outros lugares, a curiosidade tem de se unir ao bom senso e ao respeito. Quem sabe assim a gente consegue um Rio de Janeiro mais junto e misturado? A nossa cultura agradece.
Fotos por André Öberg
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