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Sinuca do botequim ao palácio

por Adolfo Caboclo, 28 de janeiro de 2013

Adolfo Caboclo | Não Só o Gato
No inicio de 2004, com 17 anos, comecei a seguir os passos do meu pai, no Rio de Janeiro, e frequentei por alguns anos o primeiro lugar democrático e pulsante que conheci, o Boteco Taco. Na época, um botequim com todos os elementos da malandragem carioca, conheci alguns dos meus “heróis da boêmia”.  Entre economistas, professores, aposentados, globais, bicheiros, médicos, chefes de cozinha e vagabundos entendi que o coliseu do malandro tem um pano verde entre seis caçapas.

Lá conheci muitos “tacos”. Trata-se de um lugar com jogadores de nível médio alto – os chamados “pregos” de lá seriam considerados “prata” ou “ouro” em salões que visitei posteriormente. Um dos jogadores mais formidáveis desse salão no Humaitá se chama Aloísio, o Lulu. Homem delgado, mineiro e “embigodado”.

Numa 3ª feira remota me admirei profundamente quando cheguei no Boteco Taco e vi o Lulu perdendo de forma avassaladora. Entre a roda de “perus” perguntei para um deles se o placar que eu via estava correto e escutei como resposta que “ele está jogando com um dos melhores tacos do Rio de Janeiro”.  De fato, o homem que “atropelava” o Lulu era o Heitor, um coroa que já venceu grandes campeonatos. Nesse dia entendi que existem “tacos” ainda mais espetaculares por esse mundão.

Adolfo Caboclo | Não Só o Gato
Recentemente, quase uma década depois, fiquei animado ao comprar ingressos para ir ao Masters Snooker, que é realizado aqui em Londres. Ver alguns dos “tacos” mais qualificados do mundo me pareceu, de certa forma, a realização do primeiro sonho da minha vida adulta. Este é um evento imponente e tem ingressos que tem que ser comprados com antecedência. É realizado no Alexandra Palace, um lugar grandioso,  onde é devidamente televisionado.

Mesmo sendo uma segunda-feira, a casa estava cheia. Ao sentar no meu lugar vi um público que mostrava muito garbo. Sentei ao lado de um senhor que me chamou muita atenção. Um negro de cabelos grisalhos, ele usava um terno bem cortado e no lugar de sua mão um gancho – esta não era a única pessoa que parecia vir de um filme do Brian De Palma naquela plateia. Mas o que me chamou mesmo a atenção eram os jogadores que na mesa matavam. Usavam colete e gravata borboleta, miravam com o queixo esfregando no taco e jogavam beirando a perfeição.

Naturalmente, enquanto eu assistia a aquela partida, um filme passou na minha cabeça. Minha vida como apreciador de sinuca começara em um botequim e naquele momento se encontrava em um palácio de verdade. Jogadores com a mesma postura, mas com sapatos brilhosos no lugar do chinelo de dedo. Foi curioso ver que independente do cenário o  “uh” que a plateia faz ao ver a jogada errada por pouco é sempre a mesma coisa. Fiquei imaginando um malandro do Humaitá jogando contra um gentleman no Alexandra Palace, como uma criança imagina um duelo do Super Man contra o Goku. Fiquei imaginando que delícia seria poder passar os dias em Londres e as noites, com meu pai e outros “bam bam bans” no Humaitá…

Adolfo Caboclo | Não Só o Gato

Adolfo Caboclo | Não Só o Gato

 

 

 

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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