Guilty Pleasures – Uma noite sem culpas
O homem, como todo animal de olhos para frente, – como o leão e a águia – é um predador. Como todo predador, possui uma inclinação enorme para hábitos noturnos. Na noite é possível ver o bicho homem em seu estado natural. O alegre, o chato, o tarado, o apaixonado, o briguento, o viciado, o maldoso, o amigo, o infeliz – todos, absolutamente todos são desmascarados.
Em uma vida que é refinada por “renascimentos”, inícios e fins de ciclos, a noite aparece como a forma mais rápida de se expressar, descarregar ou absorver “demônios”, e no dia seguinte, cheio de ressaca, se sentir mais humano do que nunca, pronto para um novo “nascer”. Na noite somos coerentes com a nossa verdadeira natureza, cometemos “pecados” e no dia seguinte de manhã, no trabalho, seguimos nossa vida tão “correta”. Hoje vou falar da festa “Guilty Pleasures”, no bom português, falarei de uma festa de “prazeres culposos”.
Descobrimos a festa através do desejo de apresentar para um casal de amigos da República Tcheca a balada mais legal que eu conheço. Uma casa especial já pelo bairro, Camden Town, no norte de Londres. O bairro onde Amy Winehouse era encontrada amiúde farreando, e o local que em 1900 inaugurou The Camden Theatre, com capacidade para quase 3 mil pessoas e, hoje, este mesmo teatro que virou a casa noturna Koko.
Por volta da meia noite de sábado desci do metrô, atravessei a rua e entrei na imponente balada. Bem na entrada fui pra chapelaria e vi que meus amigos tchecos estavam na fila entre um cara fantasiado de Sooby Doo e um casal de piratas. Foi o momento que achei coerente uma festa de “libertação” ter algumas pessoas fantasiadas. Guardamos nossos muitos e pesados casacos e entramos no salão. Assim como eu e Fernanda a alguns meses atrás, o tchecos não acreditavam no local que entravam, ficaram boquiabertos com tudo: com a altura da casa, suas estátuas, com os detalhes tão nobres em dourado espalhados por paredes vermelhas, pela acústica de um teatro adaptada com maestria para uma boa noitada.
Em dois momentos da minha primeira hora de festa virei as costas para a minha namorada, apenas por alguns instantes, e foi o suficiente para algum gringo safado serelepe cortejá-la, em ambas as vezes estufei prontamente o peito, segurei o braço do fogoso rapaz e escutei milhões de desculpas. Entendi que se tratava de uma festa com muito libido e nenhuma violência, só paz e amor. Longe da minha morena, por favor!
No palco fomos regidos por uma DJ com uma peculiar alegria. Peculiar plastic pill? Maybe.
Entre o rock e o pop dos anos 80 e 90 curtimos, dançamos pra valer, e em um determinado momento foram jogadas dezenas de enormes bolas, cada uma de uma cor, que a multidão espalmava para o alto formando um efeito sensacional. Como as pessoas se divertiam, como as risadas eram sinceras, porém estas tinham um break mais ou menos a cada hora quando entravam alguns dos personagens da festa para fazer uma performance. O que antes eram risadas, se tornavam gargalhadas.
As personagens poderiam ser um trio, – vestido de mestre de construção, com capacetes purpurinados, sungas e com uma enorme e peluda barriga de fora – ou duas divertidas meninas vestidas de rainha vermelha do País das Maravilhas, ou até mesmo um bebê monstruoso – um cara enorme de fraldas com uma máscara que lembrava o vilão amarelo de Sin City. Era um território que o chato chamaria de bizarro, o mascarado chamaria de loucura e o homem da noite não chama, simplesmente dança. Dança, como a vida pede, como meus sempre envergonhados amigos tchecos terminaram a noite suados e aos beijos na pista, e também como a voz de Fredie Mercury sugeriu para todos na pista do Koko neste sábado: “Don’t stop me now“.
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