Clube de leitura gratuito na Mário de Andrade
Clubes de leitura não são novidades na cidade. A Companhia das Letras, por meio do selo editorial Penguin, promove alguns clubes em livrarias. O Sesc promove regularmente encontro de leitores em suas unidades. Há outros em que inclusive paga-se para aderir (e como ‘brinde’ você leva o livro discutido).
Mas o clube de leitura que participei é diferente. Ele é realizado em um local muito propício — e em minha opinião, um dos lugares mais bonitos da cidade: a Biblioteca Mário de Andrade, ou simplesmente a Mário, para os íntimos. E neste clube da leitura você empresta o livro que será discutido. Não precisa comprar, se associar, nada disso. De graça. Basta estar atento às datas de disponibilização dos livros e retirar um exemplar no setor de atendimento. A data de devolução é a data de encontro do clube.
E quando disse que o diferencial do clube de leitura é o fato dele ser realizado na Mário, esqueci-me de mencionar o detalhe que o torna ainda mais charmoso: o encontro acontece no pátio interno, debaixo de uma grande árvore!
O legal do encontro é perceber como o mesmo livro pode ser lido de diferentes maneiras: personagens, passagens de texto e citações atingem os leitores de maneira singular. É como se cada um lesse um livro diferente. A sua opinião sobre o livro se converge com as opiniões compartilhadas pelos demais leitores do clube. O livro em questão no encontro: “O último voo do flamingo”, de Mia Couto.
Natame, uma das coordenadoras do clube de leitura da Mário, começa expondo como a obra diz respeito à recente história de independência de Moçambique, ao passo que outra participante do grupo reflete o livro sobre a perspectiva da própria construção de identidade do Brasil. Os personagens querem entender o país onde vivem, seja em Tizangara (terra fictícia onde se passa a história), assim como Moçambique (país natal do autor Mia Couto) ou Brasil, África ou América. O diálogo e a interação do clube permite a construção de ideias coletivas sobre o livro.
A construção de uma identidade, por exemplo, foi um tema que não identifiquei na leitura. Percebi que eu me preocupei muito mais em compreender a narrativa do autor, que começa com traços de realismo-fantástico, mas que ao longo da obra perde um pouco da magia para se transformar em uma singela crítica social. Ao compartilhar minha percepção, as pessoas participam, acrescentam, interagem. Não há uma resposta única e pré-concebida sobre o livro: todas as ideias são construídas pelo grupo.
E tem aquele item do livro que você acha que só você notou ou achou graça. Daí o que você descobre no clube: que outra pessoa também identificou isso! É uma sensação incrível, como achar uma alma gêmea! No caso do “Último voo do flamingo”, as citações que abrem cada capítulo tinham me chamado a atenção. Tarsila, outra coordenadora do clube de leitura, não só menciona as citações, como também me explica que elas estão presentes em demais obras de Mia Couto. É como se tivéssemos um segredo — mesmo que exposto e aberto aos demais membros do clube.
E nessa conversa, se indicam livros do mesmo autor, de outros autores, lugares para conhecer, obras que ajudam a entender melhor o contexto histórico em que se passa o livro. Um dos participantes recomenda a Coleção História Geral da África, da Unesco, disponível em domínio público para download, é só procurar pela internet. Tarsila, a outra coordenadora do clube de leitura, rebate: os fascículos da coleção estão disponíveis ali na Mário, na Coleção da ONU. Por que jogar no Google se você está em uma biblioteca?
A intenção é realizar o clube de leitura mensalmente, com o apoio da Companhia das Letras, que sede os livros para empréstimo. A próxima edição terá como livro “Nu, de botas”, de Antonio Prata. Estarei lá para descobrir como meus colegas de clube leram o mesmo livro que eu.
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