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Deus, um delírio em Manaus

Tentando acreditar no Todo Poderoso em um "bate e volta" amazônico.

por Adolfo Caboclo, 20 de maio de 2015
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Um belo dia deste ano acordei cético: nascido em berço espírita, passei a questionar o além.

Talvez pelo fato de ter perdido meu pai nesse semestre. Como diria os versos de João Nogueira, “troquei de mal com Deus por me levar meu pai”.

Deus? Um grande amigo meu sempre me disse que não acredita Nele, mas acredita em horóscopo. Meu amigo parte da premissa de que se uma pessoa pode mudar a energia de um ambiente e um celular pode causar câncer no cérebro, o universo sobre a cabeça de um homem pode e deve causar efeitos incríveis. Começando pela lua, que “saracuteia” com mares inteiros só de chegar mais pertinho. Também existe uma passagem da vida de Einstein em que ele “encontra” o seu Deus, ainda adolescente, ao brincar adoecido com uma bússola enquanto reflete sobre o campo magnético da Terra.

Outra coisa que faz a credibilidade do Todo Poderoso balançar é a igreja. Tudo o que é povo “sabido” do passado, que entendia de filosofia e outros paranauês – gregos, romanos, maias, astecas, egípcios, indus – eram ou são politeístas. Aí veio a igreja, dizimou 90% de tudo isso e ainda implantou a ideia de um Deus totalitário. Totalitário e pior: “à imagem e semelhança do homem” – Zeus me livre! Aliás, já diriam as más línguas que Leonardo da Vinci, antes de morrer, teria falado que seria uma loucura acreditar que uma única entidade teria criado um planeta como este, com infinitas singularidades.

Enfim, a real é que, no meu ponto de vista, o Divino anda tipo o futebol do Ganso: eu quero acreditar, tô ligado que pode ser uma coisa fantástica, pode fazer a ligação de tudo, mas não anda aparecendo não. Quer dizer… assim como a genialidade do Ganso, Ele dá seus lampejos, em doses homeopáticas. Tipo como foi no meu feriado de 21 de abril.

Ah… meu feriado! De fato, foi um rolê meio místico mesmo. Tinha comprado uma dessas passagens em promoção, com quase um ano de antecedência. O destino era Manaus (sim, continuo na minha meta de conhecer todas as capitais tupiniquins). Como a passagem era barata, na ida tinha uma escala de sete horas em Brasília. Enfim, eu não conhecia Brasília e alguém me disse que não é necessário mais do que sete horas pra conhecer a capital federal.

Detalhe que no auge da minha descrença divina, um dia antes de embarcar, meu chefe me deu um livro: “O Fim da Terra e do Céu – O apocalipse na ciência e na religião”, do físico carioca Marcelo Gleiser, que relata um paralelo entre a ciência e as crenças sobre o fim do mundo (estranho, constantemente almoço com meu chefe para discutirmos assuntos científicos. Recentemente,  ele começou a se incomodar com o meu déficit de fé, então me presenteou com esse impresso).

O resultado foi que eu embarquei pra Manaus, com parada em Brasília, segurando o livro do Gleiser numa mão e a mão da namorada na outra. Já no avião, uma mulher com semblante desajustado sentou-se ao nosso lado. São tempos que eu não confio nem em Deus, imagine então em mulheres solitárias que puxam papo no avião. Enquanto eu lia sobre alguns absurdos causados pela fé em um passado não muito distante, eu escutei a mulher “X” falando pra minha namorada que “lá em Brasília eu posso te dar uma carona”. Algo não me cheirava bem…

Quando descemos em Brasília eu escuto: “meu marido está chegando para buscar a gente”, olho pra namorada e a namorada me fala esbanjando um sorrisinho: “eu confio nela”. De forma totalmente desconfiada esperei o marido da “X”chegar e quando chegou, se tratava de uma pessoa muito parecida com o Renato Russo, só que com um sotaque pernambucano.

Sim. Era um pernambucano gente boa (pleonasmo).

Em seu carrinho, ele acabou sendo o nosso guia turístico. Não nos deu apenas uma carona, como também deu uma volta pelos ministérios, pela Praça dos Três Poderes, nos levou para dar uma volta no lago Paranoá, nos mostrou a caatinga, a Península dos Ministros, nos contou histórias, explicou muito sobre a realidade do Distrito Federal e, por fim, nos deixou em seu restaurante predileto na cidade, após um tour de umas duas horas. Nesse momento, eu senti em meu peito um lampejo de fé nas pessoas. Mas mesmo assim não amoleci! O casal despareceu da minha vida – nem me lembro o nome dessas pessoas tão gentis – assim como Brasília desapareceu da minha vista com o decolar do avião rumo ao norte do país.

Avião que pousou no aeroporto de Manaus, onde alguns taxistas quase saíram na mão para nos levar ao nosso hostel que ficava nos fundos do estúdio de um tatuador peruano chamado Juan.  Quando chegamos lá, li a tatuagem em seu antebraço:  “Dios está presente“. Será?

No dia seguinte, na capital amazonense, fomos visitar o restaurante flutuante Peixe Boi, um lugar surreal, daqueles que merece um post só pra ele. Para chegar até lá demora cerca de uma hora de barco saindo do porto de Manaus. Nossa sorte é que certa vez conhecemos a dona do restaurante, quando ela foi nos prestigiar em um dos eventos que fizemos pro NSG (link aqui). No porto, com milhares de barqueiros querendo o rico dinheirinho que estava em nossas carteiras, eu cheguei para o primeiro cara que encontrei e disse:

– Você me leva no restaurante Peixe Boi?

– Eu já trabalhei lá.

– Então você conhece a Ana?

– Dona Ana!? Claro que conheço! Desde criança!

Imediatamente o homem com quem falei nos indicou um barqueiro que cobrou metade do preço que ele cobraria. Para o dia seguinte, eu tinha programado com a namorada de dar uma volta na selva e ver o encontro das águas. Para todas as pessoas que conheço e já tinham feito o passeio e em todos os lugares que tínhamos verificado o preço, esse tour sairia entre R$150 e R$200 por pessoa – em um barco cheio de gente. Nosso barqueiro nos fez esse mesmo passeio por R$200 os dois – em um barco só pra gente. Mas até aí o nome disso é sorte.

No restaurante flutuante, fomos recebidos pelos funcionários. Eles nos perguntaram:

– Vocês que avisaram a Dona Ana que viriam? Ela viajou pra São Paulo, mas disse pra te atendermos muito bem.

E assim foi. Fomos recebidos com costelas de tambaqui e filé de pirarucu.

Nesse momento fiquei refletindo como existem tantas pessoas boas nesse mundo. Mais tarde, pedi para um barqueiro nos levar para as margens do rio – lembrando que estávamos bem no meio da floresta amazônica. O barqueiro disse, “pode esperar o ônibus aí, ele passa de uma em uma hora”.

Passaram uma, duas, três horas. Já eram 6 da tarde, ia escurecer, não havia postes de luz elétrica por lá. Para todos que passavam andando eu perguntava sobre o ônibus, sempre escutava como resposta que de domingo o ônibus demora. Nós começamos a ficar com medo.

Então surgiu um ônibus. Era um ônibus fretado de uma igreja batista, cheio de crianças cantando para Deus e com um pastor que nos disse: “sejam bem-vindos irmãos, podemos te dar uma carona”. Então fomos cantando músicas para o Todo Poderoso e as gentis pessoas daquele ônibus tão simples e aconchegante nos deixaram no centro da cidade.

Não sei se Deus quis aparecer naquele momento, mas com certeza ele tenta aparecer através das mensagens que o Pastor Carlos me envia semanalmente deste então.

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Passamos os últimos dias de viagem conhendo pessoas encantadoras, que conviviam com o rio, com a floresta e, principalmente, com outras pessoas de uma forma muito mais leve do que a que eu estou acostumado. Parecia que alguma fé voltava a queimar de leve no meu tórax.

Na terça-feira, voltei para São Paulo renovado.

Foi aí que aconteceu: alguns dias depois peguei o metrô com destino pra rodoviária do Tietê. Então entrou um homem bem vestido, chorando, machucado, dizendo que tinha sido assaltado em sua breve passagem por São Paulo e tudo que queria era voltar pra sua cidade.

O olhar e as mãos tremendo do homem eram tão verossímeis, que pessoas deram pra ele notas de R$20 e um jovem odereceu sua marmita e talheres que levava na mala. O homem agradeceu e disse que as pessoas naquele metrô eram uma verdadeira manifestação de Deus. Prontamente eu disse: “estou indo pro Tietê, quero pagar a sua passagem de volta”.

Ele me ofereceu todo o dinheiro amassado que tinha e eu recusei. O acompanhei até o guichê da rodoviária e na hora de comprar a passagem, o vendedor pediu seu documento. Ele apresentou, prontamente, o mesmo B.O. que mostrou no metrô ao dizer que tinha sido assaltado ontem. O B.O. estava vencido, era do ano passado, o nome que ele disse que tinha não era o mesmo do B.O. e ao vendedor dizer que ele não poderia lhe vender a passagem, o homem mudou seu semblante, ficou alterado, agressivo, pegou a marmita que o jovem do metrô havia lhe dado e jogou com tudo no chão, uma meleca.

O homem que dizia que estava morrendo de fome não espatifou apenas arroz e feijão pela rodoviária… mas um pedacinho daquela fé que acabara de voltar pro meu coração. Talvez Deus ainda esteja passeando por Manaus… não sei. Mas nesse belo dia fui dormir cético.

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Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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