Dia dos Namorados, Copa do Mundo e Vila do Pan: reflexões, contradições e analogias
Sou adepta àquele pensamento de que um relacionamento deve ser construído sobre um terreno concreto para não desmoronar. Parece clichê, mas sinto que a analogia é real. Uma pessoa pode viver uma paixão arrebatadora e linda – que, nessa metáfora, é uma enorme e bela mansão –, mas a pressa e a ansiedade para estar junto todo o tempo e “subir um degrau” da escada dos relacionamentos, sem a paciência de primeiro “pavimentar o terreno” e fazer uma fundação bem planejada, podem acabar causando um desmoronamento de grande proporção. Com isso, o trabalho é o dobro: a relação pode terminar de forma trágica e abrupta e o trabalho para colocar a “casa” (coração) em ordem para construir uma nova relação costuma levar muito mais tempo.
Há menos de uma semana, no mesmo dia 12 de junho, o Dia dos Namorados e a abertura da Copa do Mundo competiam por um lugar na agenda dos apaixonados. A bola e os vinte e dois marmanjos correndo atrás dela roubaram a cena de muito jantar romântico por aí. Depois do jogo, não foram poucas as reclamações da ala feminina de que não havia “clima” para sair para jantar e que às sete da noite o namorado ainda estava comentando lances com os amigos ou com os sentidos alterados pela tarde de cerveja e salgadinhos. Na mesma data, algumas manifestações contrárias à realização da Copa mais cara da história anunciavam o descontentamento de um país repleto de “buracos”, assistindo de camarote aos mesmos buracos disfarçados, LITERALMENTE, para inglês ver (como é o caso dos muros em volta das favelas com símbolos da Copa pintados).
No último final de semana, fui com meu namorado ao Rio de Janeiro, onde ficaríamos hospedados no apartamento de um amigo dele que faz faculdade por lá. O detalhe é que o local é nada mais nada menos do que na “Vila do Pan”: o residencial construído na Barra da Tijuca para receber os cinco mil e quinhentos atletas em 2007, nos jogos Pan-Americanos. Achei o local incrível: sala de estudos com computador e impressora gratuitos para os moradores, playground bem grande para as crianças, lago, piscina, quiosques na piscina que servem bebidas e lanches até meia-noite todos os dias e aluguel bem mais barato do que eu imaginava. O motivo? O asfalto do local já teve que ser refeito, algumas áreas desmoronaram e a construção apresenta falhas em diversos pontos. Os prédios foram construídos em terreno de mangue e, obviamente, com muita pressa para os jogos.
Por lá, ouvi a notícia de que muitos atletas investiram comprando inúmeros apartamentos para locação depois do Pan. O boato é que o baixinho Romário, por exemplo, é proprietário de cerca de vinte unidades. A verdade é que com ou sem buracos, foi divertidíssimo ficar hospedada por lá, que mais me pareceu um resort do que um condomínio. Contudo, achei muito triste esta contradição: o que era para ser um dos legados dos jogos de 2007 para os cariocas, acabou virando um lugar incrivelmente lindo, com um valor excelente de aluguel, mas que oferece riscos de desabamento (o que justifica o ótimo preço).
Todas essas reflexões me fazem pensar como vai ser depois que a Copa do Mundo acabar. Qual será o legado deixado por aqui? O que será capaz de aguentar firme até a próxima Copa (e não desmoronar nos próximos quatro anos)?
Meus questionamentos e devaneios em relação a isso vão muito longe, mas por agora cabe apenas a seguinte conclusão: relacionamentos e grandes eventos (com todo o legado de obras elaboradas para recebê-los) são duas coisas cujo sucesso da construção é inversamente proporcional à agilidade e pressa para que estejam bem consolidadas.
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