Pedra do Baú, Bauzinho e Ana Chata: um roteiro diferente no inverno de Campos do Jordão
Há muitos e muitos anos, quando as únicas estradas que existiam no planeta eram os caminhos formados pelos raios de sol entre as copas das árvores e as leis da Natureza-Mãe imperavam, regendo o cotidiano do homem, três irmãos levavam uma vida em busca de pureza e transcendência em meio às encantadoras cercanias da Serra da Mantiqueira.
O mais velho, Monte-Barão, de conduta exemplar e irrepreensível, sacrificava sua mocidade, mantendo-se casto, em nome dessa pureza que buscava e em honra a Deus. A irmã do meio, Ana, era muito feia e de traços pouco harmônicos, tendo sido humilhada desde pequena por todos os que cruzavam seu caminho. Contudo, inspirando-se na grandeza de espírito do irmão, usava este fato para provar sua gratidão à vida, com resignação e força de vontade. A mais nova era dotada de uma beleza ímpar e de uma delicadeza única: Silvané era encantadoramente pura e esforçava-se para acompanhar seus irmãos em busca da santidade e da devoção, lutando contra a vaidade que teimava em surgir em seu interior cada vez que sua imagem era refletida nos espelhos d`água formados pelos lagos da floresta.
Foi na vibração desta vaidade que uma paixão avassaladora começou a surgir no coração de Monte-Barão, conforme a bela Silvané crescia e tornava-se mulher. Tomando consciência deste vergonhoso sentimento que nutria, Monte-Barão ficou desesperado, lutando contra seus desejos mais secretos, pensando em como faria para acabar com a paradoxal situação. Em uma só noite de reflexão, envelheceu vários anos, tamanho era seu sofrimento. Quando acordou, decidiu que se declararia à irmã, como forma de se redimir, pedindo perdão a ela e a Deus pelos incontroláveis sentimentos.
Silvané estava sentada à beira do rio, penteando seus longos cabelos, quando Monte-Barão caminhava, chorando muito, ao seu encontro. Ana, vendo o irmão passar soluçando, ficou intrigada e decidiu segui-lo, observando tudo escondida atrás do tronco de uma grande árvore.
Monte-Barão, unindo toda a coragem que havia em seu coração, aproximou-se da bela irmã, tomou-a em seus braços e confessou sua paixão, motivo de sua angústia. Neste momento, sentiu sua face aproximar da pele macia de Silvané e quando seus lábios quase tocavam os dela, Ana, tomada pela fúria, gritou aos deuses o pecado do irmão, dedurando o que se passava aos céus. Neste momento, ouviu-se um trovão tão alto que ecoou em outros continentes e os três irmãos foram petrificados para que tivessem sua pureza conservada, servindo à humanidade como pontos de beleza e de comunhão com a natureza: as grandes rochas Monte-Barão (também conhecida como Pedra do Baú, devido ao seu formato que, sob determinado ângulo, lembra um grande Baú enterrado no solo), Silvané (conhecida como “Bauzinho”) e Ana Chata.
Bom… Começou a temporada de inverno em Campos do Jordão. Milhares de pessoas vão para lá, entre maio e agosto, ávidas por degustar delícias gastronômicas, garantir um local nas badaladas mesinhas do “Baden Baden”e desfilar a finíssima coleção outono-inverno de seu guarda-roupa. Mas é muito difícil alguém passar por lá sem admirar a belíssima Pedra do Baú, cartão postal principal da cidade. Muitos sabem da lenda do tesouro escondido no ápice desta grande rocha que tem formato de baú. Porém, poucos conhecem a lenda inicial, que envolve as outras duas rochas vizinhas a ela, que acabei de contar aqui.
As rochas pertencem, na verdade, ao município de São Bento do Sapucaí, vizinho à Campos do Jordão. Porém, a “fama” ficou à segunda cidade, na qual é possível admirar de frente o conjunto de rochas. Para aqueles que querem aproveitar as delícias do friozinho da região no inverno, mas dispensam a multidão e badalação Jordanense, a dica é ficar em São Bento mesmo – mais barato e igualmente charmoso – e aproveitar um roteiro de tirar o fôlego, literalmente: fazer as trilhas entre as três pedras e escalar todas elas. Se não tiver medo de altura, não perca a descida de rapel!
Foi em um bate-e-volta para lá que meu namorado e eu conhecemos o Marcos, que é guia por lá. Ele nos acompanhou nas trilhas, que apesar de bem sinalizadas, são bastante perigosas de serem completadas – nos momentos de escalada – sem equipamento de proteção. Anos atrás, havia um refúgio para mochileiros no alto da Pedra-do-Baú, para aqueles que fossem acampar. O refúgio não existe mais, mas a possibilidade de acampar, sim. Voltei de lá com gostinho de quero mais, com a imaginação a mil e o coração aquecido e pleno de gratidão pelos três irmãos que me proporcionaram um dia inesquecível em cima de seus corpos petrificados.
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