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Clowntidiano: o palhaço, as pessoas e a rua

por Marina Ribeiro, 27 de março de 2014
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Saí de casa em direção à praça mais próxima, no final da tarde de um domingo. Caminhei um pouco em busca dos meus alvos de entrevista e logo à frente vi um par de pernas vestidas em meias-calças amarelas acompanhadas de um moçoilo com meias por cima das calças. “Só podem ser eles”, pensei, enquanto notava cada transeunte cruzar seus caminhos com um olhar de estranheza e curiosidade.

Encontrei com Elisa e Danilo, ambos manauaras, ela uma amiga de curso de teatro vivendo no Rio de Janeiro, ele seu namorado que vive em Manaus. O casal de atores é parte do Clowntidiano, um projeto de intervenções urbanas do Grupo Cartolas Produções, que pesquisa a arte da palhaçaria ao inserir seus palhaços em situações cotidianas da cidade (o grupo atua no Rio e em Manaus), interagindo com os personagens que cada cenário proporciona, já que o Clowntidiano é itinerante e vai de praça em praça, de rua em rua.

Nos acomodamos num banco da praça para esperar a terceira integrante do dia, Kássia, e também para trocar uma ideia enquanto eles se arrumavam. A cada camada de pancake no rosto, Elisa ia me contando do processo desenvolvido nas ruas, enquanto Danilo ia concordando e dando seus pitacos. “Não pode pensar, tem que agir, reagir”, ela me disse, sobre o palhaço ser um ser físico. “As melhores coisas costumam acontecer quando já se está cansado e não se racionaliza mais as ações”, complementou.

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Perguntei como é o processo de descoberta do palhaço, e os dois fizeram caretas enquanto me diziam das dores e de um caminho que parece ser cheinho de crises existenciais. “A gente geralmente sai muito triste…”, “Como assim?!”, “É que o palhaço se mostra, mostra o que ele tem de mais dolorido, e as pessoas riem disso!”. Que ironia, não? E que poético! Nesse meio tempo, Kássia chegou e, concordando com os colegas, me disse que ainda estava descobrindo sua palhaça e sofrendo muito. “É uma descoberta eterna, nunca termina!”.

Já nos últimos retoques, todos me disseram sobre o cansaço físico que causa a arte da palhaçaria, já que ela é puro corpo e potencializa cada uma de suas ações. Enquanto isso, fui percebendo que a estética é outra questão fortíssima, e que as crises existenciais se estendem ao jeito de se maquiar e ao figurino que, afinal, traduz a personalidade do palhaço. Eu já estava ansiosa para ver, em ação, esse “salto no vazio” que é ser clown, então logo que os três finalizaram a make e colocaram o nariz, me afastei um pouco para observar e fotografar.

9A partir desse momento, já não estavam mais comigo Elisa, Danilo e Kássia, mas Mel, Padin e Peixa. Cada um com sua personalidade, seu jeitinho de falar, se mover, brincar. Fazendo o que tinham vontade, foram encontrando “vítimas” de suas estripulias pelo caminho: brigando com crianças, abraçando adultos, desorganizando pertences de terceiros, sentando ao lado de idosos, montando na bicicleta alheia, cantando péssimas e desafinadas canções. Logo já estavam aquecidos, e aí era impossível acompanhar os três ao mesmo tempo. Cada um ia pra um lado, criava uma história com algum novo amigo, perturbava a vida de algum trabalhador.

Meus sorrisos eram incontroláveis, e o de muita gente também! Uma moça veio me perguntar se eles ganhavam por aquilo e ficou toda toda quando eu disse a ela que não. A Peixa carregou uma menininha, o Padin ensinou para um moço o jeito certo de conquistar uma mulher, Mel estourou a espada de ar de um garotinho e ofereceu o guarda-chuva do Padin no lugar. Logo fui me sentindo mais à vontade para conversar e interagir com eles, porque — vejam que interessante — com o palhaço se estabelece uma nova relação, diferente daquela que se tem com a pessoa! É assim entre eles também, cada um com suas impressões, gostos e desgostos quanto ao outro.

Ao final da experiência, eu já havia sido picada pelo bichinho da palhaçaria. E virei fã do trabalho do Clowntidiano (que é mesmo um trabalhão, com uma metodologia definida; ao final de cada saída todos devem escrever um relatório com suas impressões). Hoje, no Dia Internacional do Teatro, eles são tema da nossa experiência curiosa, homenageados e homenagem à arte, seja ela na rua, na chuva, na fazenda ou no palco!

O Clowntidiano é:

Em Manaus – Jean Palladino (Caco), Roberto Carlos Jr. (Pitico), Danilo Reis (Padin), Allícia Castro (Lilica Panettone) e Deborah Ohana (Pattylene).

No Rio de Janeiro – Elisa Neves (Mel), Kássia Nascimento (Peixa), Lilian Correa (Maria Julieta), Arianne Felix (Crisântemo) e Jacqueline Durans (Lili Marlene).

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8 2-2 11012Fotos por Marina Ribeiro

Marina Ribeiro

Marina Ribeiro é jornalista e atriz em formação. Ama o teatro e acredita na comunicação em suas mais diversas manifestações – a moda é uma das favoritas. Soteropolitana, morou em São Paulo durante 4 anos e agora respira ares cariocas. No Instagram, ela é @marinaribei.

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