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Gaudí de Paraisópolis

por Fernanda Miranda, 31 de maio de 2013
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O jardineiro Estevão Silva da Conceição já deu entrevista para os mais importantes veículos do Brasil. Foi convidado para ir a Barcelona, participou de um documentário, foi garoto-propaganda de uma cachaça que é uma boa idéia e é tema do livro do jornalista Oscar D’Ambrosio “Contando a arte de Estevão”. Mas para explicar tamanho fenômeno que Estevão se tornou, é preciso voltar para 1985, ano em que ele plantou um pé de roseira na sua casa em Paraisópolis, zona sul de São Paulo. Ele tinha acabado de comprar um barraco na Rua Herbert Spencer e devido ao seu amor à jardinagem, a roseira foi crescendo, crescendo e tomando conta daquele pequeno espaço. “A roseira cresceu muito, e ele foi suspendendo ela com ferro, tela, cimento e bambu. Só que fazia muita sujeira, aí ele teve que arrancar a roseira e o que ficou foi todo o resto do material.” Quem me contou isso foi a Edilene Souza Conceição, mulher de Estevão. Fui recebida em sua casa, que hoje é conhecida como Casa de Pedra, e foi ela que me resumiu o furacão de coisas que aconteceu em suas vidas nessas últimas décadas – o marido estava trabalhando.

Estevão e Edilene nasceram em Santo Estêvão, na Bahia. Num certo dia em 1992 em que Estevão foi de São Paulo para sua cidade natal visitar sua família, acabou conhecendo e se apaixonando pela jovem Edilene, se casando logo em seguida, em 1993. “Quando eu cheguei aqui a casa era diferente. Tinha o pé de roseira, mas os banquinhos eram feitos de madeira com bambu.”, afirmou. “Depois que ele arrancou a roseira, ele começou a colocar outras plantas, criando um jardim suspenso. Aí ele também pregou na parede um prato que tinha quebrado, achou bonito e começou.” Esse prato foi o primeiro de uma infinidade de objetos que depois seriam grudados na casa dos Conceição. Hoje os pratos estão acompanhados de bules, carrinhos, santos, máscaras, telefones, calculadoras, bonecas, colares, tampinhas de garrafas, cápsulas de Nespresso, e muitos outros objetos que, graças à sensibilidade de Estevão, viraram lindas decorações. A sensação que dá ao entrar pela porta da casa é de que você precisa de uns bons dias imersos ali para conseguir olhar e absorver com calma todo aquele minucioso trabalho que foi feito com tanta dedicação em quase três décadas. “Ele trabalha muito aqui, vai a bazar comprar os objetos, vai na 25 de março comprar bolinha de gude ou na Vila Madalena. Tem vezes que ele sai pra comprar até no seu horário de almoço do trabalho. E ainda tem o segundo e o terceiro andar pra fazer, e ele diz que seu sonho é terminar essa casa.” Uma famosa casa feita praticamente de esforço, arame e concreto, mas que também é o lar da família composta pelo casal e por seus filhos, Stefania, de 18 anos, que é Miss Paraisópolis, e Enrique, de 10. “Meus filhos gostam muito de morar aqui. Os amigos do Enrique vem aqui, ficam brincando, sobem lá pra cima.”, disse.

A casa é composta pela Casa de Pedra, onde fica a entrada, a salinha em que fui
recebida e onde se dá o acesso ao jardim suspenso, que fica no terceiro andar. Ao fundo fica a Casa das Estrelas, um lugar mais reservado para a família de Estevão, feita de madeira, onde tem uma salinha com TV, a cozinha, e subindo para o segundo andar o banheiro e três quartos. Essa área é chamada assim porque no teto de todos os cômodos há estrelinhas de madeira pintadas e desse modo, mais uma vez, me encontrei com a sutileza e a poesia daquilo que é tocado pelas mãos de Estevão.

Na última parte a ser visitada, o jardim suspenso, é onde a gente depara com a grande paixão do dono da casa – suas plantas. Ali tem pé de jabuticaba, pitanga, acerola, pimenta, coentro, café, e uma vista privilegiada da cidade – já que a casa fica no alto da favela. Como não poderia ser diferente, já que estamos falando do artista Estevão, é preciso de um tempo para observar tudo que aquele jardim oferece, onde até quadro de bicicleta vira enfeite.

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Edilene no jardim suspenso

O peculiar castelo construído pela família foi revelado quando, em 1994, a jornalista Carla 010 Caffé escreveu uma matéria para a Revista da Folha sobre o lugar, onde, ao invés de fotografias, optou por publicar desenhos da entrada e da varanda da casa feitos pela própria. E uma vez descoberta, a casa nunca mais foi a mesma.  Não só a mídia nacional, mas também o mundo quis conhece-lo. E assim Estevão também acabou conhecendo o mundo – isso porque as curvas de concreto e a genialidade de Estevão foram comparadas às do arquiteto catalão Antonio Gaudí. A similaridade é realmente espantadora, mas Estevão nunca tinha sequer ouvido falar no tal Gaudí, e só foi conhece-lo quando uma estudante de arquitetura lhe mostrou livros com imagens das obras do arquiteto um tempo antes. E em 2001, quando foram celebrados os 150 anos de nascimento de Gaudí, o cineasta brasileiro Sergio Oksman decidiu fazer um documentário sobre o artista Estevão, chamado “Gaudí na Favela”, e ainda lhe chamou para conhecer as obras do catalão pessoalmente em Barcelona. “Ele gostou muito, falou que o Parque Güell é bem parecido com aqui. Ele disse que andou a praça todinha, e quando já estava cansado, foi e deitou numa árvore. Depois descobriu que aquela era a única árvore do parque que tinha sido cultivada por Gaudí”, revelou Edilene.

Para visitar a casa se paga um valor de R$15, e Edilene, com o caderno de visitas na mão, me mostrou que grande parte dos visitantes que vão lá são estrangeiros. No caderno vi muitos recados de franceses, estadunidenses, italianos e até japoneses deslumbrados com aquele lugar, mas poucos brasileiros. “Quando liga brasileiro falando que vem aqui, quase nunca vem. Eu mesmo achei que você não vinha.”, revelou. Geralmente, os brasileiros que vem estão ligados a área de arte e arquitetura. “Há pouco tempo veio uma arquiteta carioca aqui e disse que jamais teria a idéia e criatividade que o Estevão teve.”

A máxima de que por trás de um grande homem existe uma grande mulher cabe totalmente à realidade desse casal. Quando eu perguntei para Edilene se ela ajudava na elaboração das fantasias do marido, ela disse que já ajudou, por exemplo, a lixar as estrelas da Casa das Estrelas e a pintar os quartos. Mas agora não mais, só limpa. Mas Edilene, agora eu lhe pergunto, como assim “só” limpa? Quero ver a melhor faxineira desse mundo fazer meio serviço que você faz!  Ou alguém acha que é fácil limpar uma grande casa de concreto no formato de “galho de árvores”, onde por toda a parede há objetos grudados? “Eu limpo com espanador, com pano… Quando ele começa a trabalhar, começa a sujar, aí eu já tenho que sair limpando pra não acumular poeira.” Prova de que, muito mais do que uma casa reconhecida mundialmente, a família Conceição construiu uma história de vida arrebatadora a partir do nada. E Estevão ainda confessou à mulher: “Pena que não tenho mais espaço”. Mas para quem tem imaginação e amor pelo que faz existe o limite? Imagino que não…

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Para agendar visita ligue para: (11) 3773-7135

Fotos por Adolfo Martins

Fernanda Miranda

Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato. Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.

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