“Eu vi Paco de Lucía”
Alguns meses atrás, quando morei em Madrid, perguntei para uma amiga espanhola sobre a possibilidade de assistir um show do Paco de Lucía. Ela respondeu que não existia a menor chance. Paco está velho, com 65 anos, já fazia muito tempo que ele não dava um show. Por isso me impressionei (muito) quando um amigo carioca fez uma ligação interurbana apenas para me informar: Paco iria tocar no Brasil.
Infelizmente, não sou músico, logo sou absolutamente incapaz de fazer qualquer juízo técnico sobre Paco. Já escutei que ele é o melhor violeiro que já pisou no planeta, que Paco está para o violão como Beethoven está para o piano. Se isso é verdade? Não sei. Mas posso afirmar que o saudoso luthier Manoel Andrade – sujeito que tinha opinião forte e via alguns dos grandes nomes das cordas apenas como “showman”s – falava que demorariam “mais trezentos anos para nascer outro Paco”.
Enfim, o show do espanhol, natural de Andaluzia, aconteceu ontem, no Teatro Renault, na Av. Brigadeiro Luiz Antônio. Tudo estava marcado para 21h, cheguei pouco antes desse horário e presenciei uma multidão a perguntar se “tem ingresso sobrando”? Doce ilusão, os ingressos estavam esgotados já faziam duas semanas. No banheiro masculino escutei um cara no telefone falando, “eu vou ver ele, nem acredito”, sim, o clima era de euforia. Faziam 16 anos que Paco de Lucia não pisava na América Latina.
No folheto sobre o show a informação de que apesar da idade, Paco estava ainda melhor do que nos anos que se esvaíram, que o violinista que apareceria seria um homem em seu apogeu técnico. Todo esse clima fez com que suas mais de duas horas de atraso para o show – justificadas pelo atraso de seu vôo e a necessidade de fretar um avião para chegar em São Paulo -, fossem compreendidas e ele, ao pisar no palco, fosse recebido pela maioria da plateia com aplausos em pé.
Muito simpático, Paco de Lucía se desculpou pelo atraso, explicou sobre as dificuldades de seu dia e a turbulência que o Boeing que ele iria “não quis enfrentar”,mas um jatinho “enfrentou”. Depois disso, apenas ele e um violão, diante de mais de mil pessoas, fizeram o que para os meus ouvidos foi a experiência mais impressionante de toda uma vida. Paco brincava com as cordas, fazia o som de um único instrumento parecer o de cinco e retorcia os meus sentidos como jamais um som retorcera.
Posteriormente chegaram outros músicos. Vocalistas, tecladista, baixista e sapateador. Presenciei um flamenco de um nível que, possivelmente, não encontraria em meus tempos de Espanha.
Não sei se Paco é realmente “o melhor violeiro que já pisou no planeta”, mesmo se for, o hiato entre a capacidade de absorção dos meus limitados ouvidos e sua técnica do violão espanhol é gigantesca. Posso simplesmente afirmar que foi a experiência musical mais satisfatória que presenciei. Mesmo se ele não for o maior de todos, um dia eu convencerei meu neto de que ele foi, e falarei com um sorriso amarelo sob um bigode branco: “eu vi Paco de Lucía”.
Foto de capa por Martyn Strange e demais por Adolfo Martins
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