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Sobre o silêncio

por Fernanda Miranda, 22 de agosto de 2013
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“Se a palavra que você vai pronunciar não é mais bela do que o silêncio, não a pronuncie.” – Preceito sufi

A frase acima, que recepciona os visitantes do Sesc Vila Mariana, faz parte da intervenção “O Silêncio e a Prosa do Mundo”, que consiste em frases espalhadas pela unidade com a temática literária focada nos diversos sentidos atribuídos à ideia do silêncio, do discurso e da fala. Os excertos vem de autores como Samuel Beckett, Paul Valery, Abbé Dinouart, entre outros – mas isso é só uma”palinha”. O assunto proposto pelo Sesc vai além da intervenção visual e se amplia ainda mais nas palestras que estão sendo ministradas no mesmo local, desde a semana passada, pelo nome de “Mutações“. O ciclo que começou com um debate com o professor Francis Wolff, se encerrará no dia 11 de outubro com a palavra do cronista Francisco Bosco.

Fui conferir a palestra do professor e escritor Pedro Duarte, cujo tema era “O silêncio que resta”. Pedro emprestou ideias de Platão, Fernando Pessoa e Shakespeare para provar que a temática do silêncio é, foi e sempre será atual e primordial. Platão, por exemplo, foi defensor da ideia de que para alcançar a verdade é necessário o silêncio. O que poderia ser conectado com a frase de Dinouart, “Você saberá escrever quando souber calar-se e bem pensar… O primeiro grau da sabedoria consiste em saber calar-se”. Mas acontece que, diferente do que deveríamos, estamos falando cada vez mais e, opostamente, silenciando cada vez menos, como prova uma matéria recente da Folha de S. Paulo. O caderno Ilustrada do jornal da última quinta-feira, dia 15, trazia como capa a matéria “Minuto de silêncio”, falando sobre o ciclo de palestras que iria estreiar no Sesc Vila Mariana naquele dia. A matéria mostra uma pesquisa feita pelo Centro da Indústria de Informação Global, da Universidade da Califórnia, que diz que foram trocadas 10,8 trilhões de palavras nos Estados Unidos em 2008 – um aumento de 140% em relação aos 4,5 trilhões de palavras usadas em 1980 (veja matéria completa aqui). “O silêncio é um animal em extinção”, disse Pedro Duarte na matéria. E não só é um animal em extinção, como é também um animal temido na nossa sociedade. O silêncio virou sinônimo de incômodo, então a linguagem passa a ser usada o tempo todo para evitar o risco de que o “animal temido” apareça. Logo, a palavra se torna banalizada devido a pouca reflexão do que foi dito, imperando a lógica de “não importa o que falar, o importante é falar”.

A mesma matéria da Folha traz ainda exemplos de obras que expressam o silêncio, como a performance de Marina Abramovic no MoMA em Nova York, em que a artista ficava sentada em uma cadeira durante quase oito horas por dia, por seis dias da semana, olhando, em silêncio, nos olhos da pessoa que se sentasse em sua frente. Muitos choravam, e muitos não resistiam por muito tempo – mas uma mulher chegou a ficar quase três horas sentada em frente à artista. Ainda sobre o silêncio, em seu “Manifesto sobre a vida do artista”, Abramovic diz que “o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento” e que “o artista deve criar um espaço para que o silêncio adentre sua obra”.

http://youtu.be/yKw7LuEqUVs

O fotógrafo Lucas Lenci permitiu o silêncio em seu obra no seu mais recente ensaio “Desaudio”, que podem ser vistas no SP Arte do Shopping JK Iguatemi até o próximo domingo, dia 25. Caso você não esteja em São Paulo, algumas das fotos estão no site do fotógrafo. Ele disse em entrevista ao Estadão que as fotografias são “a celebração do estar sozinho, do silêncio e da calma”. E é de se impressionar em como ele realmente conseguiu transmitir a ideia do silêncio através de suas imagens, como na foto de uma senhora na calçada em um dia ensolarado aproveitando a sombra de uma placa de trânsito em uma rua deserta. Ou pelo turista solitário admirando as Cataratas do Iguaçu. E ainda nas ruas da cidade de Nova York estranhamente vazias. E é esse o ponto que conecta as fotos do ensaio de Lenci, que foram tiradas em lugares e tempos diferentes: a imposição do silêncio. Que oferece ao público um só sentimento: a paz.

Quando está quente em São Simão, 2010, Lucas Lenci

Quando está quente em São Simão, 2010, Lucas Lenci

Ainda na minha busca pelo silêncio na arte, me deparei também com o documentário “O Grande Silêncio”. Realizado por Philipe Gröning, o diretor viveu seis meses na comunidade de monges da Cartuxa, do Mosteiro de La Grande Chartreuse, na França, tida como a mais rigorosa das ordens monásticas católicas. Lá, os monges fazem um voto de silêncio que perdurará por toda a vida. O diretor havia pedido autorização para filmar no local em 1984, porém a permissão veio só 16 anos depois. Os monges impuseram então que as filmagens fossem feitas sem luz artificial e nem música adicional. A equipe do diretor foi reduzida a ele, e mais ninguém. O resultado veio em 2005, com sucesso de público e reconhecimento da crítica. Durantes as quase três horas de filme o silêncio é cortado apenas pela palavra divina, pela música como forma de oração e pelo som ambiente. As canções, o som da chuva, de uma chave abrindo a porta e o tic tac de um relógio se tornam então a trilha sonora de um filme que é uma grande ousadia. Ousado porque, para assisti-lo, é preciso respeitar e entrar no ritmo de vida desses monges, o que, para a vida que a gente leva, não é facil. O filme requer introspecção e uma cabeça livre de preconceitos para entender que a decisão tomada por eles é um ato profundo de coragem em nome da fé – o silêncio é prometido para assim chegar mais próximo à palavra de Deus e à Deus. Não é fácil para o público porque é um filme sem pressa, contemplativo e nós não estamos acostumados a isso. Porém, mergulhar por três horas numa vida deliberadamente solitária e em silêncio é a única maneira que nós, espectadores, conseguimos chegar mais próximo ao que o filme propõe. O que é um desafio que todos nós deveríamos aceitar para entender, e quem sabe diminuir, a velocidade frenética da vida que decidimos, também deliberadamente, levar.

http://youtu.be/EU8bmbCjaks

Refletir sobre o silêncio, portanto, não é excluir a linguagem, tão essencial ao homem, mas sim ressaltar a importância da palavra. Para ela ser preciosa, e não banal. Como disse Pedro Duarte em sua palestra: “O falatório da nossa vida exige aprender o silêncio. Assim iremos aprender a falar melhor.”

Foto de capa: “O lado mais bonito de se ver”, Foz do Iguaçu 2012, Lucas Lenci

Fernanda Miranda

Recém-formada em jornalismo e editora do Não Só o Gato. Ama história em quadrinhos, os textos da jornalista Eliane Brum, as trilhas sonoras dos filmes do Woody Allen e azeitonas.

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