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Sofia Carvalhosa – Por trás da pulsação da cidade

por Adolfo Caboclo, 30 de julho de 2014
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Por Adolfo Martins e Fernanda Miranda

Sofia apareceu na minha vida através de um interminável bisbilhotar. Pipocou no meu mundo graças à minha admiração da cozinha alheia e no compartilhar de imagens e matérias sobre alimentos e bebidas. Vendo as redes sociais de chefs, sommeliers e restaurantes, percebi que todos esses “bisbilhotados” tinham uma “curtida” no Facebook em comum: a página da Sofia Carvalhosa Comunicação.

Em uma rápida consulta no Google, li que a assessoria da Sofia cuida da conta de uma representativa parte dos bares, restaurantes e até exposições que os Guias e Vejinhas da vida me sugerem com veemência. Em pouco tempo, descobri que Sofia faz parte da pulsação cultural da cidade desde muito antes de eu virar gente – literalmente.

Depois da minha pesquisa, algumas mensagens virtuais bastaram para eu poder me apresentar para Sofia e combinar uma entrevista pessoalmente. Encontro no qual ela, de forma surpreendente, iniciou com um ar espontâneo: “depois de tanto mediar as entrevistas dos outros, é estranho ser entrevistada”.

Posso afirmar que esse tal “estranheza” sentida durou poucos minutos, pois durante as mais de duas horas de conversa, a comunicóloga Sofia me contou sua história de forma absolutamente fluída — jornada que teve como alicerce um berço bem robusto. Como ela disse: “Eu tenho pais muito fortes. Minha mãe, Helena Carvalhosa, é artista plástica, bem moderna, tinha uma loja que se chamava A&O, Artes e Objetos, que foi fundada nos anos 60. Além da presença marcante da minha mãe, tem o meu pai, Modesto Carvalhosa, que é advogado e também sempre foi à frente de seu tempo. Então eu tenho essa presença enorme de pais que são muito presentes na vida cultural, ligados à esquerda. As pessoas viravam pra mim e falavam, ‘ai que legal sua mãe, que legal seu pai’, então eu pensei, ‘preciso sair disso, eu preciso ser alguém’. Por isso comecei a trabalhar muito cedo, na TV Cultura, e tive filho muito nova. Resolvi tentar criar um caminho próprio”, explicou ela, que nesse meio tempo também se aventurou pelos cursos de graduação em Jornalismo e em Rádio e TV.

Em 1983, na TV Cultura, Sofia teve a ideia de fazer uma homenagem ao poeta Augusto de Campos dentro do programa Fábrica do Som. Ela também mexeu seus pauzinhos pra fazer nomes como o de Regina Casé e Caetano Veloso aparecerem por lá. Na época, codirigiu o documentário “Juqueri“. Inclusive, ela confidenciou: “No fundo mesmo eu queria ser documentarista. Eu até retomei essa atividade, fazendo um filme sobre o meu pai, o ‘Modesto à Parte – uma conversa com Modesto Carvalhosa’. Também fiz um filme sobre o Luiz Gonzaga em 2012, o ‘Conexão Gonzaga’. Mas a vida foi me levando para a área de assessoria de imprensa, especialmente na área cultural. Depois eu casei com um crítico de gastronomia e aí acabei conhecendo bastante esse campo”. Nessa parceria com seu ex-marido, o crítico gastronômico Josimar Melo, pai de sua filha Marina, Sofia inventou o evento Boa Mesa em 1995.

Sofia, Luiz Gonzaga e Daniela Moreau Sofia, Luiz Gonzaga e Daniela Moreau no Colégio Equipe, em 1976

Ainda nos anos 80, Sofia não se conteve “apenas” em participar de programas musicais irados e ter projetos cinematográficos. Ela também trabalhou no lugar que foi a principal casa noturna paulistana da década, o lendário Radar Tantã. “O Radar foi incrível na minha vida. Eu trabalhava na TV Cultura e tinha um emprego bem estável, e como eu era muito amiga dos donos do Radar Tantã, o Arthur e a Maria Helena Guimarães, eu perguntei, ‘eu posso trabalhar aí?’, disseram ‘pode’. Foi incrível. Fizeram um restauro numa fábrica [onde era o Radar]. Então fui lá trabalhar e tive algumas ideias, como ‘por que a gente não coloca uns cabeleireiros aqui dentro?’ Só que naquele tempo era diferente, não existia marketing. A gente conseguiu estampar a capa da Ilustrada porque lá era um lugar diferente. No primeiro dia já tinha fila pra entrar no Radar que ia até o final da rua. Esse lugar tinha espontaneidade. Não tinha DJ ‘convidado’, a gente tinha uns discos long play e um DJ ‘normal’. Aí começou a ser um lugar legal pra fazer shows”, disse Sofia.

E como eu queria ter visto essas coisas que ela me contava. Sua narrativa seguia, cada vez melhor, fiquei doido, pois como bom boêmio que sou, sempre quis saber como eram os tais shows do Radar Tantã. “Teve um show do Patrício Bisso, ele já fazia uns shows de transformismo. Mas eu me lembro mais é de um show do Caetano que o Ritchie estava na plateia e eu tive a ideia e falei, ‘Ritchie, por que você não entra de surpresa no show?’ Era pra cantar Shy Moon, mas eu não avisei o Caetano, então o Ritchie entrou. Na época podia fazer essas coisas. Teve também show do Barão Vermelho e o Cazuza já era muito louco. Aquela cena que tem no filme [Cazuza – O Tempo Não Para, de 2004] em que o Cazuza se machuca no banheiro, isso aconteceu lá no Radar. Eu que tive que levá-lo no pronto-socorro, com uma kombi do Radar”.

Algum tempo depois, em 1986, Sofia Carvalhosa foi assistente de Regina Boni em uma exposição do Hélio Oiticica. Se eu te contar que ela fez um carnaval em plena rua Oscar Freire, você acredita? “Foi na Galeria São Paulo, começou na rua Estados Unidos. A gente conseguiu mostrar vários parangolés do Oiticica. Verdadeiros! Para abrir a exposição, vieram dois passistas da Mangueira, fizemos um desfile de escola de samba que saiu da Estados Unidos e foi para a Oscar Freire”.

Sofia e o Parangolé Na imagem, Sylvinha Tinoco e Sofia Carvalhosa seguram faixa no carnaval da rua Oscar Freire (Foto: Jorge Araújo)

Enquanto ela falava, era impossível não reparar nos detalhes, folhetos e cartazes que compunham o ambiente em que eu a entrevistava – uma sala de reunião na sede da Sofia Carvalhosa Comunicação. Um local interessante, com muita informação e que logo fui tratando de perguntar maiores detalhes. “Na verdade, assessoria de imprensa é um trabalho muito louco. É tudo muito rápido e intenso. Como quando você está lançando o filme Central do Brasil, com o Walter Salles e a Fernanda Montenegro, e aí você conversa e conversa com aquelas pessoas e de repente tudo aquilo acaba. Então é uma coisa que monta e desmonta. Tenho relações antigas, mas eu também tenho relações que são muito efêmeras”. Ou seja, como sempre acreditei, para termos repertório é preciso muita construção e desconstrução.

Claro que não pude deixar de perguntar para Sofia sobre a sua relação com a cidade de São Paulo. E ela me deu uma resposta que sintetiza absolutamente tudo que penso: “A maior graça que eu acho na vida é poder transitar. E eu acho que eu sou uma pessoa que transita tranquilamente na cidade. Eu adoro andar de ônibus, de metrô, de bicicleta. Eu não tenho medo de ir pra cidade. Vou pro centro, vou na Virada Cultural. Ao mesmo tempo eu adoro tomar um pinot noir legal, um bom vinho, ir de ônibus em um restaurante legal. Eu não tenho medo da cidade, não tenho medo da violência. Não sou uma paulistana enclausurada”.

Como demonstração de amor pela pauliceia, Sofia foi cofundadora do grupo “Bancos com encosto para Sampa!” no Facebook. O grupo cresceu, tem mais de 1.500 membros, e hoje abriga participantes de todo o país, e até do exterior. A ideia é compartilhar imagens de bancos bacanas pelas cidades, que não seja aqueles desconfortáveis com um ferro no meio e sem encosto, e também incentivar as pessoas a serem ativistas da causa. A própria Sofia já foi protagonista de uma reunião para que fossem doados bancos com encosto à praça Morungaba, no Jardim Europa.

“São Paulo é incrível, as pessoas consomem aquilo que é oferecido. Eu acho que esse trabalho dos bancos tem muito a ver com isso. Ou também é só pensar nessas feirinhas gastronômicas. As pessoas estão a fim de comer comida boa que não seja cara. As pessoas vão no Tomie Ohtake ver exposição grátis, vão no CCBB ver o Iberê Camargo”, disse. “São Paulo tem uma coisa interessante, se você gosta de dançar forró, como eu, você vai lá e tem o Remelexo, mas se você quer mais, vai ter o show de inúmeras outras bandas. Aqui tem o melhor do rap e se gosta de caligrafia japonesa, você vai descolar professores incríveis. Eu acho que a cidade é muito diversa. É um grande barato. Eu gosto de viajar por São Paulo. Viajo no final do ano pra fora, mas não acho que necessariamente é preciso viajar, você pode ter uma situação de turista na própria cidade. Eu tenho vontade, por exemplo, de passear no Cambuci, onde morou o (Alfredo) Volpi, tem Osgêmeos“.

De forma constante, Sofia se mostrou uma das pessoas mais antenadas culturalmente que eu já conheci. O papo estava uma delícia e quando o foco do assunto virou gastronomia, Sofia também não hesitou em falar de seus clientes. “Na área da gastronomia tem tanta gente nova fazendo coisas bacanas na cidade. Um dos lugares mais legais da cidade é do Chico Ferreira e do meu filho Gil Carvalhosa Leite, o Le Jazz, que é meu cliente. Eu o ajudei na assessoria e só. O projeto é dele, tem um conceito legal, tem um preço bom. Tem o Spot, que  também tenho a honra de ser assessora; a Helena Rizzo, do Maní; tem o Figueira Rubaiyat; o Ritz; a Daniela Bravin e o trabalho que ela faz com vinhos que é excepcional. Também trabalho há quase 20 anos para a importadora de vinhos Mistral, do Ciro Lilla. Então eu acho que tem muita gente fazendo coisa boa, e muita gente também quebrando a cara porque não tem conceito, acha que é fácil abrir. Tem que ter conceito. Às vezes eu trabalho pra lugares que tem menos conceito, eu falo ‘ihh, esse negócio não vai dar’. Antigamente, no Radar Tantã, a capa da Ilustrada fazia tremer a cidade, hoje em dia uma capa da Ilustrada não faz tremer a cidade, nem a capa do Caderno 2, infelizmente”. 

Na área cultural, Sofia também não para: ela está realizando trabalhos como a exposição de arte contemporânea “Multitude: quando a arte se soma à multidão“, no Sesc Pompeia, que fica em cartaz até o dia 10 de agosto, e o Festival Internacional de Curta-Metragens de São Paulo, que começa no dia 20 de agosto.

Sofia no Ceará, realizando um de seus documentários. Este é o "Espedito Seleiro - a grife de sertão", que está disponível no Youtube Sofia no Ceará, realizando um de seus documentários. Este é o “Espedito Seleiro – a grife de sertão”, que está disponível no Youtube (Foto: João Paulo Maropo/ Fundação Casa Grande)

Sofia Carvalhosa hoje Sofia Carvalhosa na exposição “Multitude”, no Sesc Pompeia (Foto: Denise Andrade)

Foto de Sofia da década de 70 tirada por Maureen Bisilliat, reconhecida fotógrafa internacional Foto de Sofia na década de 70 clicada pela fotógrafa Maureen Bisilliat

Sofia e Nuno Ramos no recreio do Colégio Equipe, em 1976 .  (Foto: Acervo pessoal) Sofia e Nuno Ramos no recreio do Colégio Equipe, em 1976 (Foto: Acervo pessoal)

No começo desse texto, comentei um pouco sobre as realizações cinematográficas da minha entrevistada.  Acho bacana finalizar aqui com um filme/entrevista, bastante íntimo, que Sofia fez com a sua mãe, o filme Caderno Vermelho. Uma entrevista como essa, com tantas histórias, nem poderia terminar de forma diferente: com mais uma narrativa, prelúdio de tantas outras que, com certeza, estão por vir.

Adolfo Caboclo

Artista e pugilista. @adolfinhocaboclo

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