Andar de baixo
Por baixo do viaduto os caminhões, sem direções os automóveis, humanos motorizados os guiam, desgovernados, quilômetros de asfalto, um rio poluído em grande parte de sua extensão, assim como o ar, o nosso lar, árvores que renovam as esperanças constantemente para se manterem em pé, a paisagem degradante um postal, São Paulo, megalomaníaca metrópole.
Embaixo da ponte o teto de quem dali fez o seu palácio. Não é pouco, mas o sujeito, por direito, teria o céu, teto de seu teto, as estrelas que o guiam e a lua, que o alumia abundantemente. O céu de dia é de outro departamento. A ponte o prédio, onde fez apartamento. No térreo, na altura do chão brotam angústias, são geradas migalhas, mas as suas ideias são muitas e constantes os desejos, seu físico suporta a alegria, os exames não estão em dia, mas o coração de criança dá sobrevida e esperança ao corpo abatido sob surradas vestes. Sua melancolia raia de dia, se esvai pela tarde e desaparece completamente na calada da noite , onde a atmosfera parece lhe trazer, em mãos, o que de fato lhe é de direito: Embaixo da ponte ele está por cima nessa pirâmide social invertida, e de cabeça para baixo aguarda, no conforto de seu palácio, os frutos que as árvores que resistem em meio ao solo deteriorado lhe trazem durante a colheita fora de época.
Abaixo da terra o solo envenenado por farsas, ali são geradas decorativas frutas, de plástico flores, sintéticas gramas. O andar de baixo contaminado, mas ao andar, ninguém assim o vê, a visão distorcida de quem se ludibria com as cores mortas, opostas às dos portais das capelas, quando a luz penetra por elas. Abaixo da terra a miséria fez morada e fincou o pé, como se dissesse, daqui não saio, o solo é fértil, o tornarei estéril. E não é fácil, são anos de dedicação, não é do dia para a noite que se faz degradação. O que a terra gera não prospera sem a interferência humana e toda a sua intenção.
No andar de baixo a semente, o subsolo a abriga, o momento ela aguarda na barriga. Quem aparta a briga? Quem, com esse quadro, no quarto fará o parto? Assim a semente para si mesma mente, oculta o que escuta de sua consciência sã. Ela aguarda o amanhã, pensa que pode ser diferente, se engana, finge que está tudo bem, pensa na posterioridade e que um dia, sim, vai brotar. Alguém ali a plantou, mesmo sem cultivo, seu momento há de germinar, ela assim se tranquiliza, já ciente do estado do ventre em que está, ela tentará contornar as adversidades e surgir em meio ao devastado cenário, rompendo o asfalto. Toda gravidez na terra tem seus inúmeros riscos. Éramos ricos, passamos a encher a mesma barriga, matando a fome por ordem de sobrenome. Abaixo do chão o grão, abaixo do grão a esperança, que sustenta a raiz da última árvore à margem do rio de águas turvas e muito impuras, são nossas as impurezas, despejadas sobre a face da natureza, em prol da urbana limpeza, a beleza feliz de cidade.
Arte: Tec Fase (2019)
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